domingo, 18 de outubro de 2015

O Papel das Teorias na Compreensão da Realidade Social

O modo de produção capitalista expressa na sua materialidade e conteúdo as contradições da atual sociedade, constituída de classes sociais antagônicas cujos objetivos e ações variam no tempo e no espaço.
Tal sociedade ao ser analisada tanto por Engels (1845) - como por Mello e Novais (2000), é expressa nos relatos desses autores, respectivamente, como uma sociedade que desde seu nascedouro no período de Revolução Industrial retratado por Engels, até em tempos mais recentes retratados por Mello; Novais, como uma sociedade permeada pelas contradições.
Nesse sentido, diante de tais relatos é possível observar que o que varia é apenas o grau dessas contradições, doravante as mesmas se fizeram e se farão presentes não importa quanto tempo se passe, já que esses antagonismos sociais constituem a estrutura social capitalista. 
Em outros termos, tais contradições, é parte essencial da natureza do modelo de produção capitalista, isso porque, esse modo de produção se expressa e se revigora a partir da proliferação dos antagonismos sociais.
 Assim, Engels, lá em (1845), ao analisar “a situação da classe trabalhadora na Inglaterra” já retratava as discrepâncias e diferenças sociais entre ricos e pobres, proletariado e empresários, diante de tantas diferenças e indiferenças, ele afirma que,
                                                      
Em todas as partes, indiferença bárbara e grosseiro egoísmo de um lado e, de outro, miséria indescritível; em todas as partes, a guerra social: a casa de cada um em estado de sítio [...] e tudo isso tão despudorada e abertamente que ficamos assombrados diante das consequências das nossas condições sociais, aqui apresentadas sem véus, e permanecemos espantados com o fato de este mundo enlouquecido ainda continuar funcionando. (p. 68)

Nesse sentido, é de suma relevância que se apreenda os relatos trazidos por Engels desse contexto como sendo dados referentes a acontecimentos sociais que por mais que sejam retratados ou referentes a um contexto histórico longínquo nos dá base para pensar as transformações sociais em curso na sociedade capitalista atual, isso porque se refere a uma análise que abarca uma categoria de acontecimentos em sua totalidade – a sociedade capitalista.
Diante disso, procura-se aqui entender e analisar os acontecimentos históricos imbricados num determinado período de tempo, sendo estes formados a partir de múltiplas causas na perspectiva de totalidade. E é partindo desse princípio que se pode melhor captar a dinâmica do capitalismo, seu papel na estrutura social e na divisão de classes, tendo sempre como orientação a história e os processos dela decorrentes.
Partindo dessa perspectiva, Engels, destaca que

[...] nessa guerra social, as armas de combate são o capital, a propriedade direta ou indireta dos meios de subsistência e dos meios de produção, é óbvio que todos os ônus de uma tal situação recaem sobre o pobre. Ninguém se preocupa com ele: lançado nesse turbilhão caótico, ele deve sobreviver como puder. Se tem sorte de encontrar trabalho, isto é, se a burguesia lhe faz o favor de enriquecer à sua custa, espera-o um salário apenas suficiente para o manter vivo. (p. 69)

 Assim, o trabalhador se ver submerso a uma estrutura social que desde sua gênese manifesta-se através das segmentações, das diferenças entre possuidores de riqueza (capitalistas) e despossuídos (trabalhadores), onde este depende de conseguir meios para sobrevivência, esses meios são conseguidos a partir da venda da força de trabalho.
Nesse sentido, o trabalhador é colocado nessa sociedade como uma mercadoria, seu valor está naquilo que é produzido por seu trabalho, sem isso o pobre estaria condenado a viver na indigência.
Entretanto, como bem ressalta Engels ao retratar as condições de vida do proletariado no país berço da Revolução Industrial – Inglaterra, nem sempre ter um emprego garantia ao trabalhador condições dignas de sobrevivência, já que as condições e meios eram demasiadamente adversas para aqueles que nada possuíam, a não ser a força de trabalho.
Tendo como base os pressupostos acima, Engels (1845, p. 69) relata que

durante o período em que permaneci na Inglaterra, a causa direta da morte de vinte a trinta pessoas foi a fome, em circunstâncias as mais revoltantes; mas, quando dois inquéritos, raramente se encontrou um júri que tivesse coragem de atestá-lo em público. Os depoimentos das testemunhas podiam ser os mais claros e inequívocos, mas a burguesia – à que pertenciam os membros do júri – encontrava sempre um pretexto para escapar ao terrível veredicto: morte por fome. Nesses casos a burguesia não deve dizer a verdade: pronunciá-la equivaleria a condenar a si mesma. [...] a isso chamam os operários ingleses de assassinato social e acusam a nossa sociedade de praticá-lo continuamente.

Ora, a citação acima remete-se a considerar como base reflexiva uma sociedade que já nasce a partir da instituição da propriedade privada baseada em interesses antagônicos, sendo, diante disso, espaço de lutas, embates políticos, assim, os conflitos decorrentes dessas relações encontram-se num emaranhando de forças, onde o econômico e o político desempenham papeis fulcrais, ou seja, como fatores que contribuem diretamente para essa subordinação de uma classe em relação a outra.
            Neste sentido, compreende-se, que a presente reflexão acerca dos fatos apontados por Engels, fugirá de enfoques imediatistas, buscando assim, uma leitura crítica dos fatos e das relações sociais num contexto onde envolve as contradições de uma realidade que está em constante movimento e/ou mutação.
No que concerne aos relatos trazidos por Mello e Novais, acerca da mutabilidade das relações sociais, bem como as transformações econômicas manifestadas cotidianamente na vida do povo brasileiro, acaba por ser mais uma comprovação daquilo que se mencionou linhas atrás, ou seja, que a realidade social está em constante movimento, assim, o que muda nesse modo de produção não são as formas de exploração e subordinação e sim o grau intensidade e complexidade tanto de um como de outro. Ele poderá ser mais cruel como bem retratou Engels (1845), ou ser mais sutil como bem retrata Mello e Novais (2000), entretanto sua natureza continua sendo a mesma, isto é, se alimenta da exploração do homem ao mesmo tempo em que o transforma em objeto de seu próprio trabalho. 
Assim, de acordo com Mello e Novais (2000, p. 560 a 562)

Para tratar das relações entre as transformações econômicas e as mutações na sociabilidade, manifestas na dura vida cotidiana e na precária privacidade, comecemos, portanto, por distinguir os momentos significativos que se estendem do pós-guerra aos nossos dias. [Para eles, o período que vai de 1945 a 1964, a sociedade brasileira vivenciou] momentos decisivos do processo de industrialização com a instalação de setores tecnologicamente mais avançados, que exigiam investimentos de grande porte; as migrações internas e a urbanização ganham um ritmo acelerado. [...] [Sendo assim, de acordo com os autores a] análise da modernidade brasileira parte do otimismo para a desilusão, e jogará simultânea e permanentemente com elementos das várias fases do conjunto do período, de forma a dar conta das conexões e da diversidade de ritmos nas várias esferas da realidade em movimento.

Do exposto ao analisar “os novos padrões de consumo no Brasil”, Mello e Novais (2000) relatam de forma minuciosa as mudanças de hábitos, costumes e estilos das famílias brasileiras a partir do processo de urbanização e industrialização. Nesse sentido, eles destacam que no Brasil, pôde ser observado “[...] o predomínio esmagador do alimento industrializado. O arroz, o feijão, o açúcar, as farinhas, de trigo, de rosca, de mandioca, já empacotados de fábrica em saco de plástico e não na hora, retirado de tonéis, de sacos ou de vidros imensos e colocados em saco de papel.” (p. 564)
Assim, os processos acima destacados referem-se a transformações que se encontram em curso desde o nascimento do modo de produção capitalista, são transformações que permeiam a sociedade em suas diferentes fases de desenvolvimento, trata-se de transformações heterogêneas, já que depende de outros processos para se desenvolverem.
No caso do Brasil, os autores destacam que

Num período relativamente curto de cinqüenta anos, de 1930 até o início dos anos 80, e, mais aceleradamente, nos trinta anos que vão de 1950 ao final da década dos 70, tínhamos sido capazes de construir uma economia moderna, incorporando os padrões de produção e de consumo próprios aos países desenvolvidos. Fabricávamos quase tudo. (MELLO; NOVAIS, 2000, p. 562)

O povo brasileiro passa a partir de então a vivenciar uma realidade antes não experimentada e o Brasil foi se constituindo como um país dito moderno, suas desigualdades estavam sendo escamoteadas pela ideia de progresso que contaminava grande parte da população, principalmente aqueles que moravam no campo.

[...] matutos, caipiras, jecas: certamente era com esses olhos que, em 1950, os 10 milhões de citadinos viam os outros 41 milhões de brasileiros que moravam no campo, nos vilarejos e cidadezinhas de menos de 20 mil habitantes. Olhos, portanto, de gente moderna, “superior”, que enxerga gente atrasada, “inferior” [...] todos descalços, um ou outro possuindo uma bota ou uma alparcatas, as crianças nuas ou só de calçãozinho, barrigudos, cheias de vermes. As mulheres, umas velhas aos trinta anos, poucos passando dos cinquenta. (MELLO; NOVAIS, 2000, p. 574-578)

No trecho citado pelos autores, é possível identificar as formas de exclusão vivenciada pelo povo brasileiro, num período onde se acreditava está o Brasil caminhando para ser uma nação moderna. As desigualdades existentes entre campo e cidade, leva ao processo de êxodo rural como retrata Mello e Novais (2000, p. 574), a população do campo foi acometida pela ilusão de progresso social e econômico, pois acreditavam que as cidades poderiam oferecer melhores condições de sobrevivência.
“A vida da cidade atrai e fixa porque oferece melhores oportunidades e acena um futuro de progresso individual, mas, também, porque é considerada uma forma superior de existência. A vida do campo, ao contrário, repele e expulsa.” [Diante desse processo, observa-se o quanto essas transformações interferiram no modo de vida dos brasileiros. Como bem ressalta os autores], “todas essas variações do consumo apontavam para os movimentos da sociedade.” (MELLO; NOVAIS, 2000, p. 574)
E é partir de tais transformações que o sistema capitalista tem se apresentado como alternativa e como ditador de padrões a serem seguidos não importa aonde, já que a essência deste permanece imutável.
Mello; Novais (2000, p. 600-601) destaca que

[...] olhando a sociedade em seu conjunto há todos os tipos de famílias: trabalhador comum, migrante rural recém-chegado, citadinos pobres, trabalhador especializado, da classe média, alta e baixa, dos magnatas [...] uns moram em barracos mais ou menos precários nas favelas, nas periferias, sem esgoto, água encanada e espremidas, [...] outras nos bairros operários mais antigos [...] nos bairros de classe média, em sobradinhos paredes-meia [...] poucas nos bairros ricos, cheio de palacetes ou de apartamentos imensos [...] uns pagam aluguel, outros constroem e  outros vão para a favela.

Assiste-se nesse processo, o empobrecimento em camadas da população menos favorecidas e/ou classe trabalhadora, consistindo no agrupamento de “novos grupos sociais à condição de pobreza ou extrema pobreza”. Onde a pauperização alastra-se de forma considerável entre as diferentes camadas sociais, ver-se-ia hoje que a pobreza extrema é cada vez mais intensificada, esta é consequência direta desse sistema de mundialização do capital.
É inegável que dentre a série de fatores resultantes desse processo tem se vivenciado o agravamento da questão social. O contexto social em que esta é produzida, no desemprego e no subemprego, traduz a sua mais límpida expressão do que Engels; Mello e Novais tratam em seus textos.
É possível compreender que o progresso capitalista e a organização social, retratada pelos autores acima, carregam consigo “relações sociais complexas e contraditórias”, onde na visão de Netto (1996), estas questões são resultado das contradições trazidas pelo desenvolvimento capitalista, onde atinge tanto a esfera econômica quanto a social.
Diante disso, percebe-se que o homem ao construir as bases necessárias para expansão desse modelo social, se transforma num produto dessa realidade que se encontra em movimento, os relatos de Engels em (1845) e os de Mello e Novais em (2000) referem-se de certa maneira a uma mesma categoria de acontecimentos, por mais que sejam tempos diferentes, a natureza desses eventos acaba sendo a mesma, ou seja, o modo de produção capitalista e suas barbáries.
Como assinala Mello e Novais (2000, p. 581-582)

O capitalismo cria a ilusão de que as oportunidades são iguais para todos, a ilusão de que triunfam os melhores, os mais trabalhadores, os mais diligentes, os mais "econômicos". Mas, com a mercantilização da sociedade, cada um vale o que o mercado diz que vale. Não há nenhuma consideração pelas virtudes, que não sejam as "virtudes" exigidas pela concorrência: a ambição pela riqueza e a capacidade de transformar tudo, homens e coisas, em objeto do cálculo em proveito próprio. No entanto, a situação de partida é sempre desigual, porque o próprio capitalismo, a própria concorrência,entre empresas e entre homens, recria permanentemente assimetrias; entre os homens e as empresas.

Nesse sentido, Engels, Mello e Novais, ao refletirem sobre as diferenças sociais como sendo resultado da barbarização causada pela expansão capitalista contribuem para que se possa pensar e analisar os acontecimentos sociais na sua totalidade, isto é, como sendo acontecimentos históricos, determinados pelas ações do homem, acontecimentos que dada sua natureza passa por constante processo de transformações, apesar de manter sua essencialidade.
Assim, compreender tais acontecimentos/transformações sociais exige do pesquisador ou cientista social, uma visão crítica, o aguçamento pela compreensão do mundo e de suas metamorfoses, deve ter sempre como parâmetros, a construção de um olhar crítico, um olhar que rompa a imediaticidade dos fatos, que apreenda os acontecimentos não em suas particularidades, mas sim, como resultado de processos históricos e que se metamorfoseiam no decorrer do tempo, sendo essa as construções apresentadas pelos referidos autores.
Nesse sentido, como bem ressalta Cohen (1976, p. 17)

a palavra teoria é como um cheque em branco; seu valor potencial depende daquele que a utiliza e do uso que dela faz. [...][e vai além ao afirmar que] as teorias certamente não teriam valor se não fossem além dos fatos. Os fatos nada mais são do que afirmações que acreditamos serem verdadeiras sobre determinados acontecimentos que ocorrem. As teorias não devem referir-se a acontecimentos determinados, mas sim, a categorias inteiras de acontecimentos.

Partindo desse pressuposto, pode-se apreender que a afirmação de Cohen, vai ao encontro do que fizeram Engels, Novais e Mello, ao analisarem as realidades e os acontecimentos sociais em suas realidades - Engels, como já referido na Inglaterra, país berço da Revolução Industrial Mello e Novais a realidade brasileira a partir de 1945 ao momento atual.
Desse modo, Cohen (1976, p. 18) destaca que

se as teorias vão além dos fatos, possuirão elas uma ligação com a realidade? Na verdade, não fosse pelas teorias, não possuiríamos experiência da realidade digna de registro ou que pudéssemos registrar. As teorias mais elementares, que empregamos inconscientemente, são aquelas que se acham engastadas em nossa linguagem, porque toda língua tem de empregar certas categorias universais e utilizar uma categoria universal é, na realidade, utilizar uma teoria. Se eu digo ‘esta máquina de escrever é pesada’, estou presumindo certas características universais associadas ao peso, em oposição à leveza. Sem categorias universais não pode haver comunicação e sem comunicação não pode haver cultura, sociedade, ciência, tecnologia ou experiência partilhada do mundo da realidade.

Tomando como base a citação acima, pode-se compreender que tanto Engels como Novais e Mello, tomaram como categoria universal em suas análises o modo de produção capitalista, sua natureza, o modo como se constitui, suas formas de exploração e exclusão. Sendo esses os elementos norteadores de ambas as análises, em outros termos, os impactos sociais gerados a partir do processo de expansão do sistema capitalista.
A partir disso, cabe sinalizar que sem fazer uso das teorias não seria possível compreender os acontecimentos sociais em sua totalidade, como acontecimento social, histórico, produto da ação humana, assim, as teorias servem de suporte no que diz respeito às análises e leituras de determinada realidade.
Desta maneira, vale destacar a importância do uso das teorias no diz respeito a compreensão da sociedade e seus acontecimentos, pois possibilita a apreensão de uma série de elementos e transformações que fogem ao tempo presente, como, por exemplo, os acontecimentos retratados por Engels em (1845) mas que, entretanto se fazem contemporâneas quando lidos e compreendidos como “categorias inteiras de acontecimentos.”
E isso é possibilitado por intermédio das teorias, em outras palavras, são as teorias que possibilitam a compreensão dessas transformações como parte de todo um processo que é histórico e social e que por ser mutável, transforma-se sem perder sua essencialidade, todo esse entendimento não seria possível sem o arcabouço teórico possibilitado pelas teorias.
Cohen (1976, p. 19), afirma que

uma teoria científica é, idealmente uma afirmação universal e empírica, que expressa uma conexão causal entre os dois ou mais tipos de acontecimentos. Em sua maneira mais simples, ela se apresenta sob a forma ‘sempre que X ocorre, Y também ocorre’. Uma teoria científica é universal porque ela afirma algo a respeito das condições nas quais algum acontecimento ou tipo de acontecimento sempre ocorre.

A afirmação de Cohen dialoga com as análises realizadas por Engels, Mello e Novais sobre o sistema capitalista e suas consequências, no sentido de que, enquanto existir modo de produção capitalista, vai haver condições favoráveis para a ocorrência de exploração, subordinação e dominação do operariado, como dizia Engels ou da classe trabalhadora como ressaltava Mello e Novais. Isso porque a condicionalidade da exploração e subordinação se dá pela materialização da sociedade capitalista através da divisão de classes.
Neste sentido, Cohen (1976, p. 20) afirma que, “uma teoria científica deve ser casual. Significa que deve afirmar que algumas condições são suficientes para a ocorrência de certos tipos de acontecimentos ou que algumas condições são necessárias para essa mesma ocorrência.”
Essa afirmação também encontra-se em consonância com as análises produzidas por Engels, Mello e Novais, pois ao construir suas análises os mesmos basearam-se em acontecimentos que estavam sendo vivenciados cada qual em seu tempo, além disso, porque havia toda uma estrutura social que condicionava e dava possibilidade para sua materialização. Sendo seu principal elemento o modo de produção capitalista. Sendo assim, “a teoria parece ser valiosa porque diz algo a respeito dos processos de mudança em todas as sociedades [...].” (COHEN, 1976, p. 25)
Ainda de acordo com Cohen (1976)

 as ciências sociais – pela participação da vida social, o homem têm uma possibilidade muito maior de compreender certos aspectos de sua realidade fundamental do que o têm por sua participação no mundo natural. [...] o fato de serem tanto sujeitos quanto objetos sociais fornece-lhes uma oportunidade de alcançar uma ideia da natureza das relações sociais e dos contextos mais amplos destas últimas, porque a realidade social não possui mecanismos que se encontrem necessariamente ocultos da observação de todos aqueles que dela participam. [além disso], participando da vida social, os homens são incentivados a formar certas ideias a respeito daquela realidade [...] os homens, em sua maior parte, não criam o mundo natural ou seus mecanismos, mas criam o seu mundo social, mesmo que, na maioria, assim procedam sem dar-se conta disso. [Por fim, Cohen, destaca que] à natureza da própria realidade social. Embora os homens possam ter razão em presumir que a natureza da realidade física é independente de suas ideias a respeito dela, estarão errados se presumirem outro tanto da realidade social [...] parte da realidade social é o conjunto de ideias que os homens possuem dentro dela. (p. 27-28)

As reflexões construídas por Engels (1845); Mello e Novais (2000) retratam exatamente o que Cohen ressalta ao falar das Ciências Sociais, de que a participação do homem na vida social, possibilita que este compreenda a sua realidade de forma mais clara, isso porque se trata de um ambiente que está sendo vivenciado, apesar de se tratar de tempos históricos diferente, como já mencionado, os autores tomaram como referência o modo de produção capitalista, e isso é o elemento fundamental que torna ambas as análises atuais.
Isso porque, o modo de produção capitalista materializa-se no contexto atual, a partir das múltiplas formas de exclusão, dominação, exploração, as desigualdades sociais retratadas por Engels em (1845) e que são vivenciadas nesse tempo por grande parcela da população, uns sofrem de mazelas mais intensas outros, mais amenizadas, entretanto não se escapa ileso desse processo de exclusão que é fruto dessa estrutura social vigente.
De acordo com Santos (1995, p. 22),

o exercício das nossas perplexidades é fundamental para identificar os desafios a que merece a pena responder. Afinal todas as perplexidades e desafios resumem-se num só: em condições de aceleração da história como as que hoje vivemos é possível pôr a realidade no seu lugar sem correr o risco de criar conceitos e teorias fora do lugar?

Assim, como bem ressalta Santos, a grande questão colocada na atualidade é fazer o uso das teorias no sentido de compreender nossas perplexidades frente a realidade social, para ele, a “aceleração da história” nos impõe como desafio fazer o uso correto das teorias no sentido de que estas possam possibilitar realizar a real leitura da realidade e dos seus processos de mutabilidade. Sem correr o risco de “criar conceitos e teorias fora do lugar”, isto é, de criar os conceitos e teorias que não correspondam de fato aos acontecimentos produzidos cotidianamente.
Ainda de acordo com Cohen, (1976, p. 29), o mundo social deve ser concebido e entendido tendo por base o tecido social como parte constituinte de um todo, assim, ao seu modo de refletir, esse mundo se forma por meios das “entidades sociais (sociedades, organizações, famílias, mercados, Estados, economias)”, essas entidades não podem ser apreendidas em sua essência se analisadas de forma isoladas. Ainda como bem o coloca, “essas entidades são estruturas de relações entre elementos, mas muitas das características desses elementos são inconcebíveis separadamente de sua participação no todo.”
A partir da citação acima, entende-se que o cientista ou pesquisador social ao analisar os acontecimentos e as transformações sociais em curso, deve manter o compromisso de compreender essas entidades como uma estrutura que se encontra amalgamada a uma teia social.
As teorias, como bem mencionadas por Cohen são como “cheques em branco” e que seu significado vai depender do que fazemos com elas e para que as usamos, essa é uma ótima colocação no sentido de se pensar o papel do cientista social ou pesquisador ao tentar desvendar determinada realidade. Assim, as teorias da qual se faz uso e a forma como se faz, vai determinar que tipo de análise ou trabalho um cientista ou pesquisador social pretende realizar, além de revelar a relevância do que está sendo construído.
As teorias sociais possuem um papel de grande importância, é nelas que se busca o aporte que irá dar base de realização de leitura e desvelamento de uma dada realidade, é também por meio das teorias que um pesquisador irá embasar suas análises. Se assim não o fosse, seria impossível ter as concepções e construções teóricas acerca do processo de expansão da sociedade capitalista, por exemplo, Marx, Engels, entre outros autores, ao desenvolverem suas teorias no que concerne o estudo do modo de produção do capital, deixou para os pesquisadores futuros grandes obras, que são na atualidade consideradas clássicas, isso porque tratam de assuntos que apesar do tempo, guarda em sua essência o verdadeiro significado do que foi e do que é o modo de produção capitalista.
Partindo dessa perspectiva, pode-se compreender o quão importante são as análises apresentadas pelos autores aqui tratados, Engels (1645), trouxe em riquíssimos detalhes uma análise referente à “situação da classe trabalhadora na Inglaterra.” Nessa análise ele ressalta com toda propriedade os horrores vivenciados pelos operários, naquele período – primeira Revolução Industrial. Mello e Novais (2000) por sua vez, apesar das diferenças de temporalidades retratam em sua análise o que denomina de “capitalismo tardio e sociabilidade moderna”, onde relata os processos de mudanças vivenciados pelo povo brasileiro a partir de 1945 até os dias atuais.
Cabe destacar que em ambas as análises a base de construção dos estudos se deram a partir da sociedade capitalista em seu processo de mutação, mas especificamente dos antagonismos sociais resultantes do seu processo de expansão.
Desse modo, compreender os elementos trazidos pelos autores suprarreferidos, requer dos pesquisadores e cientistas sociais que façam uso das teorias no sentido de que elas possam possibilitar a compreensão dos acontecimentos em sua totalidade, não devendo assim, se prender a fatos isolados e sim, como bem afirma Cohen, as teorias devem referir-se a “categorias inteiras de acontecimentos.”
Neste sentido a afirmação de Cohen vai ao encontro do que fizeram tanto Engels como Mello e Novais, os autores retrataram acontecimentos sociais tendo como base de análise a sociedade capitalista e sua mutabilidade, destacaram as consequências do processo de industrialização e as mudanças sociais advindas a partir desta. Fizeram menção em suas análises a “categorias inteiras de acontecimentos” - que se encontram amalgamadas numa totalidade social, cujo ponto de apoio é o modo de produção capitalista.
Diante disso, o trabalho dos autores evidencia a importância de se buscar a essencialidade dos acontecimentos, isto é, faz-se necessário buscar a base geradora das desigualdades nesta sociedade, sendo estes elementos os pilares para construção de uma análise crítica reflexiva que tenha como cerne a estrutura social em sua totalidade.


Referência Bibliográfica

ENGELS, Friedrich. A Situação da Classe trabalhadora na Inglaterra. São Paulo, Boitempo Editorial, 2003, original de 1845.

COHEN, Percys. A Natureza da Teoria Sociológica. In COHEN, Percys. Teoria Social Moderna. Ed. Zahar Editores, Rio de Janeiro, 1976.

GIDDENS, Anthony. Política Social e Teoria Social. Ed. Unesp, São Paulo, 1998.

MELLO, João Manuel Cardoso; NOVAIS, Fernando A., Capitalismo Tardio e Sociabilidade Moderna. In, NOVAIS, Fernando A., História da Vida Privada no Brasil. Ed. Cias das Letras, São Paulo, 2000.

SANTOS, Boaventura de Sousa. Cinco Desafios à Imaginação Sociológica. In SANTOS, Boaventura de Sousa. Pela Mão de Alice. Ed. Cortez, São Paulo, 1995.


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