O modo de produção capitalista expressa na sua materialidade e conteúdo
as contradições da atual sociedade, constituída de classes sociais antagônicas
cujos objetivos e ações variam no tempo e no espaço.
Tal sociedade ao ser analisada tanto por Engels (1845) - como por Mello e
Novais (2000), é expressa nos relatos desses autores, respectivamente, como uma
sociedade que desde seu nascedouro no período de Revolução Industrial retratado
por Engels, até em tempos mais recentes retratados por Mello; Novais, como uma
sociedade permeada pelas contradições.
Nesse sentido, diante de tais relatos é possível observar que o que varia
é apenas o grau dessas contradições, doravante as mesmas se fizeram e se farão
presentes não importa quanto tempo se passe, já que esses antagonismos sociais constituem
a estrutura social capitalista.
Em outros termos, tais contradições, é parte essencial
da natureza do modelo de produção capitalista, isso porque, esse modo de
produção se expressa e se revigora a partir da proliferação dos antagonismos
sociais.
Assim, Engels, lá
em (1845), ao analisar “a situação
da classe trabalhadora na Inglaterra” já retratava as discrepâncias e
diferenças sociais entre ricos e pobres, proletariado e empresários, diante de
tantas diferenças e indiferenças, ele afirma que,
Em todas
as partes, indiferença bárbara e grosseiro egoísmo de um lado e, de outro,
miséria indescritível; em todas as partes, a guerra social: a casa de cada um
em estado de sítio [...] e tudo isso tão despudorada e abertamente que ficamos
assombrados diante das consequências das nossas condições sociais, aqui
apresentadas sem véus, e permanecemos espantados com o fato de este mundo
enlouquecido ainda continuar funcionando. (p. 68)
Nesse sentido, é de suma relevância que se apreenda os
relatos trazidos por Engels desse contexto como sendo dados referentes a acontecimentos
sociais que por mais que sejam retratados ou referentes a um contexto histórico
longínquo nos dá base para pensar as transformações sociais em curso na
sociedade capitalista atual, isso porque se refere a uma análise que abarca uma
categoria de acontecimentos em sua totalidade – a sociedade capitalista.
Diante disso, procura-se aqui entender e
analisar os acontecimentos históricos imbricados num determinado período de
tempo, sendo estes formados a partir de múltiplas causas na perspectiva de
totalidade. E é partindo desse princípio que se pode melhor captar a dinâmica
do capitalismo, seu papel na estrutura social e na divisão de classes, tendo
sempre como orientação a história e os processos dela decorrentes.
Partindo dessa perspectiva, Engels, destaca que
[...] nessa guerra social, as armas de
combate são o capital, a propriedade direta ou indireta dos meios de
subsistência e dos meios de produção, é óbvio que todos os ônus de uma tal
situação recaem sobre o pobre. Ninguém se preocupa com ele: lançado nesse
turbilhão caótico, ele deve sobreviver como puder. Se tem sorte de encontrar
trabalho, isto é, se a burguesia lhe faz o favor de enriquecer à sua custa,
espera-o um salário apenas suficiente para o manter vivo. (p. 69)
Assim, o trabalhador se ver
submerso a uma estrutura social que desde sua gênese manifesta-se através das
segmentações, das diferenças entre possuidores de riqueza (capitalistas) e
despossuídos (trabalhadores), onde este depende de conseguir meios para
sobrevivência, esses meios são conseguidos a partir da venda da força de
trabalho.
Nesse sentido, o trabalhador é colocado nessa sociedade como uma
mercadoria, seu valor está naquilo que é produzido por seu trabalho, sem isso o
pobre estaria condenado a viver na indigência.
Entretanto, como bem ressalta Engels ao retratar as condições de vida do
proletariado no país berço da Revolução Industrial – Inglaterra, nem sempre ter
um emprego garantia ao trabalhador condições dignas de sobrevivência, já que as
condições e meios eram demasiadamente adversas para aqueles que nada possuíam,
a não ser a força de trabalho.
Tendo como base os pressupostos acima, Engels (1845, p. 69) relata que
durante o período em que permaneci na Inglaterra, a
causa direta da morte de vinte a trinta pessoas foi a fome, em circunstâncias
as mais revoltantes; mas, quando dois inquéritos, raramente se encontrou um
júri que tivesse coragem de atestá-lo em público. Os depoimentos das
testemunhas podiam ser os mais claros e inequívocos, mas a burguesia – à que
pertenciam os membros do júri – encontrava sempre um pretexto para escapar ao
terrível veredicto: morte por fome. Nesses casos a burguesia não deve dizer a
verdade: pronunciá-la equivaleria a condenar a si mesma. [...] a isso chamam os
operários ingleses de assassinato social e acusam a nossa sociedade de
praticá-lo continuamente.
Ora, a citação acima
remete-se a considerar como base reflexiva uma sociedade que já nasce a partir
da instituição da propriedade privada baseada em interesses antagônicos, sendo,
diante disso, espaço de lutas, embates políticos, assim, os conflitos decorrentes
dessas relações encontram-se num emaranhando de forças, onde o econômico e o
político desempenham papeis fulcrais, ou seja, como fatores que contribuem
diretamente para essa subordinação de uma classe em relação a outra.
Neste
sentido, compreende-se, que a presente reflexão acerca dos fatos apontados por
Engels, fugirá de enfoques imediatistas, buscando assim, uma leitura crítica
dos fatos e das relações sociais num contexto onde envolve as contradições de
uma realidade que está em constante movimento e/ou mutação.
No que concerne aos relatos
trazidos por Mello e Novais, acerca da mutabilidade das relações sociais, bem como as transformações
econômicas manifestadas cotidianamente na vida do povo brasileiro, acaba por
ser mais uma comprovação daquilo que se mencionou linhas atrás, ou seja, que a
realidade social está em constante movimento, assim, o que muda nesse modo de
produção não são as formas de exploração e subordinação e sim o grau intensidade
e complexidade tanto de um como de outro. Ele poderá ser mais cruel como bem
retratou Engels (1845), ou ser mais sutil como bem retrata Mello e Novais
(2000), entretanto sua natureza continua sendo a mesma, isto é, se alimenta da
exploração do homem ao mesmo tempo em que o transforma em objeto de seu próprio
trabalho.
Assim, de acordo com Mello e Novais (2000,
p. 560 a
562)
Para tratar das
relações entre as transformações econômicas e as mutações na sociabilidade,
manifestas na dura vida cotidiana e na precária privacidade, comecemos,
portanto, por distinguir os momentos significativos que se estendem do
pós-guerra aos nossos dias. [Para eles, o período que vai de 1945 a 1964, a sociedade brasileira
vivenciou] momentos decisivos do processo de industrialização com a instalação
de setores tecnologicamente mais avançados, que exigiam investimentos de grande
porte; as migrações internas e a urbanização ganham um ritmo acelerado. [...]
[Sendo assim, de acordo com os autores a] análise da modernidade brasileira
parte do otimismo para a desilusão, e jogará simultânea e permanentemente com
elementos das várias fases do conjunto do período, de forma a dar conta das
conexões e da diversidade de ritmos nas várias esferas da realidade em
movimento.
Do exposto ao analisar “os
novos padrões de consumo no Brasil”, Mello e Novais (2000) relatam de forma minuciosa
as mudanças de hábitos, costumes e estilos das famílias brasileiras a partir do
processo de urbanização e industrialização. Nesse sentido, eles destacam que no
Brasil, pôde ser observado “[...] o predomínio esmagador do alimento
industrializado. O arroz, o feijão, o açúcar, as farinhas, de trigo, de rosca,
de mandioca, já empacotados de fábrica em saco de plástico e não na hora,
retirado de tonéis, de sacos ou de vidros imensos e colocados em saco de
papel.” (p. 564)
Assim, os processos acima
destacados referem-se a transformações que se encontram em curso desde o
nascimento do modo de produção capitalista, são transformações que permeiam a sociedade
em suas diferentes fases de desenvolvimento, trata-se de transformações
heterogêneas, já que depende de outros processos para se desenvolverem.
No caso do Brasil, os autores destacam que
Num período relativamente
curto de cinqüenta anos, de 1930 até o início dos anos 80, e, mais
aceleradamente, nos trinta anos que vão de 1950 ao final da década dos 70,
tínhamos sido capazes de construir uma economia moderna, incorporando os
padrões de produção e de consumo próprios aos países desenvolvidos.
Fabricávamos quase tudo. (MELLO; NOVAIS, 2000, p. 562)
O povo brasileiro passa a
partir de então a vivenciar uma realidade antes não experimentada e o Brasil
foi se constituindo como um país dito moderno, suas desigualdades estavam sendo
escamoteadas pela ideia de progresso que contaminava grande parte da população,
principalmente aqueles que moravam no campo.
[...] matutos,
caipiras, jecas: certamente era com esses olhos que, em 1950, os 10 milhões de
citadinos viam os outros 41 milhões de brasileiros que moravam no campo, nos
vilarejos e cidadezinhas de menos de 20 mil habitantes. Olhos, portanto, de
gente moderna, “superior”, que enxerga gente atrasada, “inferior” [...] todos
descalços, um ou outro possuindo uma bota ou uma alparcatas, as crianças nuas
ou só de calçãozinho, barrigudos, cheias de vermes. As mulheres, umas velhas
aos trinta anos, poucos passando dos cinquenta. (MELLO; NOVAIS, 2000, p.
574-578)
No trecho citado pelos
autores, é possível identificar as formas de exclusão vivenciada pelo povo
brasileiro, num período onde se acreditava está o Brasil caminhando para ser
uma nação moderna. As desigualdades existentes entre campo e cidade, leva ao
processo de êxodo rural como retrata Mello e Novais (2000, p. 574), a população
do campo foi acometida pela ilusão de progresso social e econômico, pois
acreditavam que as cidades poderiam oferecer melhores condições de
sobrevivência.
“A vida da cidade atrai e
fixa porque oferece melhores oportunidades e acena um futuro de progresso
individual, mas, também, porque é considerada uma forma superior de existência.
A vida do campo, ao contrário, repele e expulsa.” [Diante desse processo,
observa-se o quanto essas transformações interferiram no modo de vida dos
brasileiros. Como bem ressalta os autores], “todas essas variações do consumo
apontavam para os movimentos da sociedade.” (MELLO; NOVAIS, 2000, p. 574)
E é partir de tais
transformações que o sistema capitalista tem se apresentado como alternativa e
como ditador de padrões a serem seguidos não importa aonde, já que a essência
deste permanece imutável.
Mello; Novais (2000, p.
600-601) destaca que
[...] olhando
a sociedade em seu conjunto há todos os tipos de famílias: trabalhador comum,
migrante rural recém-chegado, citadinos pobres, trabalhador especializado, da
classe média, alta e baixa, dos magnatas [...] uns moram em barracos mais ou
menos precários nas favelas, nas periferias, sem esgoto, água encanada e
espremidas, [...] outras nos bairros operários mais antigos [...] nos bairros
de classe média, em sobradinhos paredes-meia [...] poucas nos bairros ricos,
cheio de palacetes ou de apartamentos imensos [...] uns pagam aluguel, outros
constroem e outros vão para a favela.
Assiste-se nesse processo, o empobrecimento em camadas da população menos
favorecidas e/ou classe trabalhadora, consistindo no agrupamento de “novos
grupos sociais à condição de pobreza ou extrema pobreza”. Onde a pauperização
alastra-se de forma considerável entre as diferentes camadas sociais, ver-se-ia
hoje que a pobreza extrema é cada vez mais intensificada, esta é consequência
direta desse sistema de mundialização do capital.
É inegável
que dentre a série de fatores resultantes desse processo tem se vivenciado o agravamento
da questão social. O contexto social em que esta é produzida, no desemprego e
no subemprego, traduz a sua mais límpida expressão do que Engels; Mello e
Novais tratam em seus textos.
É possível
compreender que o progresso capitalista e a organização social,
retratada pelos autores acima, carregam consigo “relações sociais complexas e
contraditórias”, onde na visão de Netto (1996), estas
questões são resultado das contradições trazidas pelo desenvolvimento
capitalista, onde atinge tanto a esfera econômica quanto a social.
Diante disso, percebe-se
que o homem ao construir as bases necessárias para expansão desse modelo
social, se transforma num produto dessa realidade que se encontra em movimento,
os relatos de Engels em (1845) e os de Mello e Novais em (2000) referem-se de certa
maneira a uma mesma categoria de acontecimentos, por mais que sejam tempos
diferentes, a natureza desses eventos acaba sendo a mesma, ou seja, o modo de
produção capitalista e suas barbáries.
Como assinala Mello e
Novais (2000, p. 581-582)
O capitalismo cria a
ilusão de que as oportunidades são iguais para todos, a ilusão de que triunfam
os melhores, os mais trabalhadores, os mais diligentes, os mais
"econômicos". Mas, com a mercantilização da sociedade, cada um vale o
que o mercado diz que vale. Não há nenhuma consideração pelas virtudes, que não
sejam as "virtudes" exigidas pela concorrência: a ambição pela
riqueza e a capacidade de transformar tudo, homens e coisas, em objeto do
cálculo em proveito próprio. No entanto, a situação de partida é sempre
desigual, porque o próprio capitalismo, a própria concorrência,entre empresas e
entre homens, recria permanentemente assimetrias; entre os homens e as
empresas.
Nesse sentido, Engels, Mello
e Novais, ao refletirem sobre as diferenças sociais como sendo resultado da
barbarização causada pela expansão capitalista contribuem para que se possa
pensar e analisar os acontecimentos sociais na sua totalidade, isto é, como
sendo acontecimentos históricos, determinados pelas ações do homem,
acontecimentos que dada sua natureza passa por constante processo de
transformações, apesar de manter sua essencialidade.
Assim, compreender tais acontecimentos/transformações
sociais exige do pesquisador ou cientista social, uma visão crítica, o
aguçamento pela compreensão do mundo e de suas metamorfoses, deve ter sempre
como parâmetros, a construção de um olhar crítico, um olhar que rompa a
imediaticidade dos fatos, que apreenda os acontecimentos não em suas
particularidades, mas sim, como resultado de processos históricos e que se metamorfoseiam
no decorrer do tempo, sendo essa as construções apresentadas pelos referidos
autores.
Nesse sentido, como bem ressalta Cohen (1976, p. 17)
a palavra teoria é como um cheque em
branco; seu valor potencial depende daquele que a utiliza e do uso que dela
faz. [...][e vai além ao afirmar que] as teorias certamente não teriam valor se
não fossem além dos fatos. Os fatos nada mais são do que afirmações que
acreditamos serem verdadeiras sobre determinados acontecimentos que ocorrem. As
teorias não devem referir-se a acontecimentos determinados, mas sim, a
categorias inteiras de acontecimentos.
Partindo desse pressuposto, pode-se apreender que a
afirmação de Cohen, vai ao encontro do que fizeram Engels, Novais e Mello, ao
analisarem as realidades e os acontecimentos sociais em suas realidades - Engels,
como já referido na Inglaterra, país berço da Revolução Industrial Mello e
Novais a realidade brasileira a partir de 1945 ao momento atual.
Desse modo, Cohen (1976, p. 18) destaca que
se as teorias vão além dos fatos,
possuirão elas uma ligação com a realidade? Na verdade, não fosse pelas
teorias, não possuiríamos experiência da realidade digna de registro ou que
pudéssemos registrar. As teorias mais elementares, que empregamos
inconscientemente, são aquelas que se acham engastadas em nossa linguagem,
porque toda língua tem de empregar certas categorias universais e utilizar uma
categoria universal é, na realidade, utilizar uma teoria. Se eu digo ‘esta
máquina de escrever é pesada’, estou presumindo certas características
universais associadas ao peso, em oposição à leveza. Sem categorias universais
não pode haver comunicação e sem comunicação não pode haver cultura, sociedade,
ciência, tecnologia ou experiência partilhada do mundo da realidade.
Tomando como base a citação acima, pode-se compreender
que tanto Engels como Novais e Mello, tomaram como categoria universal em suas
análises o modo de produção capitalista, sua natureza, o modo como se constitui,
suas formas de exploração e exclusão. Sendo esses os elementos norteadores de ambas
as análises, em outros termos, os impactos sociais gerados a partir do processo
de expansão do sistema capitalista.
A partir disso, cabe sinalizar que sem fazer uso das
teorias não seria possível compreender os acontecimentos sociais em sua
totalidade, como acontecimento social, histórico, produto da ação humana,
assim, as teorias servem de suporte no que diz respeito às análises e leituras
de determinada realidade.
Desta maneira, vale destacar a importância do uso das
teorias no diz respeito a compreensão da sociedade e seus acontecimentos, pois possibilita
a apreensão de uma série de elementos e transformações que fogem ao tempo
presente, como, por exemplo, os acontecimentos retratados por Engels em (1845)
mas que, entretanto se fazem contemporâneas quando lidos e compreendidos como “categorias
inteiras de acontecimentos.”
E isso é possibilitado por intermédio das teorias, em
outras palavras, são as teorias que possibilitam a compreensão dessas
transformações como parte de todo um processo que é histórico e social e que
por ser mutável, transforma-se sem perder sua essencialidade, todo esse
entendimento não seria possível sem o arcabouço teórico possibilitado pelas
teorias.
Cohen (1976, p. 19), afirma que
uma teoria científica é, idealmente uma
afirmação universal e empírica, que expressa uma conexão causal entre os dois
ou mais tipos de acontecimentos. Em sua maneira mais simples, ela se apresenta
sob a forma ‘sempre que X ocorre, Y também ocorre’. Uma teoria científica é
universal porque ela afirma algo a respeito das condições nas quais algum
acontecimento ou tipo de acontecimento sempre ocorre.
A afirmação de Cohen dialoga com as análises realizadas
por Engels, Mello e Novais sobre o sistema capitalista e suas consequências, no
sentido de que, enquanto existir modo de produção capitalista, vai haver
condições favoráveis para a ocorrência de exploração, subordinação e dominação
do operariado, como dizia Engels ou da classe trabalhadora como ressaltava Mello
e Novais. Isso porque a condicionalidade da exploração e subordinação se dá
pela materialização da sociedade capitalista através da divisão de classes.
Neste sentido, Cohen (1976, p. 20) afirma que, “uma
teoria científica deve ser casual. Significa que deve afirmar que algumas
condições são suficientes para a ocorrência de certos tipos de acontecimentos
ou que algumas condições são necessárias para essa mesma ocorrência.”
Essa afirmação também encontra-se em consonância com as
análises produzidas por Engels, Mello e Novais, pois ao construir suas análises
os mesmos basearam-se em acontecimentos que estavam sendo vivenciados cada qual
em seu tempo, além disso, porque havia toda uma estrutura social que
condicionava e dava possibilidade para sua materialização. Sendo seu principal
elemento o modo de produção capitalista. Sendo assim, “a teoria parece ser
valiosa porque diz algo a respeito dos processos de mudança em todas as
sociedades [...].” (COHEN, 1976, p. 25)
Ainda de acordo com Cohen (1976)
as
ciências sociais – pela participação da vida social, o homem têm uma
possibilidade muito maior de compreender certos aspectos de sua realidade
fundamental do que o têm por sua participação no mundo natural. [...] o fato de
serem tanto sujeitos quanto objetos sociais fornece-lhes uma oportunidade de
alcançar uma ideia da natureza das relações sociais e dos contextos mais amplos
destas últimas, porque a realidade social não possui mecanismos que se
encontrem necessariamente ocultos da observação de todos aqueles que dela
participam. [além disso], participando da vida social, os homens são
incentivados a formar certas ideias a respeito daquela realidade [...] os
homens, em sua maior parte, não criam o mundo natural ou seus mecanismos, mas
criam o seu mundo social, mesmo que, na maioria, assim procedam sem dar-se
conta disso. [Por fim, Cohen, destaca que] à natureza da própria realidade
social. Embora os homens possam ter razão em presumir que a natureza da
realidade física é independente de suas ideias a respeito dela, estarão errados
se presumirem outro tanto da realidade social [...] parte da realidade social é
o conjunto de ideias que os homens possuem dentro dela. (p. 27-28)
As reflexões construídas por Engels (1845); Mello e
Novais (2000) retratam exatamente o que Cohen ressalta ao falar das Ciências
Sociais, de que a participação do homem na vida social, possibilita que este
compreenda a sua realidade de forma mais clara, isso porque se trata de um
ambiente que está sendo vivenciado, apesar de se tratar de tempos históricos diferente,
como já mencionado, os autores tomaram como referência o modo de produção
capitalista, e isso é o elemento fundamental que torna ambas as análises
atuais.
Isso porque, o modo de produção capitalista
materializa-se no contexto atual, a partir das múltiplas formas de exclusão,
dominação, exploração, as desigualdades sociais retratadas por Engels em (1845)
e que são vivenciadas nesse tempo por grande parcela da população, uns sofrem
de mazelas mais intensas outros, mais amenizadas, entretanto não se escapa
ileso desse processo de exclusão que é fruto dessa estrutura social vigente.
De acordo com Santos (1995, p. 22),
o exercício das nossas perplexidades é
fundamental para identificar os desafios a que merece a pena responder. Afinal
todas as perplexidades e desafios resumem-se num só: em condições de aceleração
da história como as que hoje vivemos é possível pôr a realidade no seu lugar
sem correr o risco de criar conceitos e teorias fora do lugar?
Assim, como bem ressalta Santos, a grande questão
colocada na atualidade é fazer o uso das teorias no sentido de compreender
nossas perplexidades frente a realidade social, para ele, a “aceleração da
história” nos impõe como desafio fazer o uso correto das teorias no sentido de
que estas possam possibilitar
realizar a real leitura da realidade e dos seus processos de mutabilidade. Sem
correr o risco de “criar conceitos e teorias fora do lugar”, isto é, de criar
os conceitos e teorias que não correspondam de fato aos acontecimentos
produzidos cotidianamente.
Ainda de acordo com Cohen, (1976, p. 29), o mundo social
deve ser concebido e entendido tendo por base o tecido social como parte
constituinte de um todo, assim, ao seu modo de refletir, esse mundo se forma
por meios das “entidades sociais (sociedades, organizações, famílias, mercados,
Estados, economias)”, essas entidades não podem ser apreendidas em sua essência
se analisadas de forma isoladas. Ainda como bem o coloca, “essas entidades são
estruturas de relações entre elementos, mas muitas das características desses
elementos são inconcebíveis separadamente de sua participação no todo.”
A partir da citação acima, entende-se que o cientista ou
pesquisador social ao analisar os acontecimentos e as transformações sociais em
curso, deve manter o compromisso de compreender essas entidades como uma
estrutura que se encontra amalgamada a uma teia social.
As teorias, como bem mencionadas por Cohen são como
“cheques em branco” e que seu significado vai depender do que fazemos com elas
e para que as usamos, essa é uma ótima colocação no sentido de se pensar o
papel do cientista social ou pesquisador ao tentar desvendar determinada
realidade. Assim, as teorias da qual se faz uso e a forma como se faz, vai
determinar que tipo de análise ou trabalho um cientista ou pesquisador social
pretende realizar, além de revelar a relevância do que está sendo construído.
As teorias sociais possuem um papel de grande
importância, é nelas que se busca o aporte que irá dar base de realização de
leitura e desvelamento de uma dada realidade, é também por meio das teorias que
um pesquisador irá embasar suas análises. Se assim não o fosse, seria
impossível ter as concepções e construções teóricas acerca do processo de
expansão da sociedade capitalista, por exemplo, Marx, Engels, entre outros
autores, ao desenvolverem suas teorias no que concerne o estudo do modo de
produção do capital, deixou para os pesquisadores futuros grandes obras, que
são na atualidade consideradas clássicas, isso porque tratam de assuntos que
apesar do tempo, guarda em sua essência o verdadeiro significado do que foi e
do que é o modo de produção capitalista.
Partindo dessa perspectiva, pode-se compreender o quão
importante são as análises apresentadas pelos autores aqui tratados, Engels
(1645), trouxe em riquíssimos detalhes uma análise referente à “situação da
classe trabalhadora na Inglaterra.” Nessa análise ele ressalta com toda
propriedade os horrores vivenciados pelos operários, naquele período – primeira
Revolução Industrial. Mello e Novais (2000) por sua vez, apesar das diferenças
de temporalidades retratam em sua análise o que denomina de “capitalismo tardio
e sociabilidade moderna”, onde relata os processos de mudanças vivenciados pelo
povo brasileiro a partir de 1945 até os dias atuais.
Cabe destacar que em ambas as análises a base de
construção dos estudos se deram a partir da sociedade capitalista em seu
processo de mutação, mas especificamente dos antagonismos sociais resultantes
do seu processo de expansão.
Desse modo, compreender os elementos trazidos pelos
autores suprarreferidos, requer dos pesquisadores e cientistas sociais que
façam uso das teorias no sentido de que elas possam possibilitar a compreensão
dos acontecimentos em sua totalidade, não devendo assim, se prender a fatos
isolados e sim, como bem afirma Cohen, as teorias devem referir-se a
“categorias inteiras de acontecimentos.”
Neste sentido a afirmação de Cohen vai ao encontro do
que fizeram tanto Engels como Mello e Novais, os autores retrataram
acontecimentos sociais tendo como base de análise a sociedade capitalista e sua
mutabilidade, destacaram as consequências do processo de industrialização e as
mudanças sociais advindas a partir desta. Fizeram menção em suas análises a
“categorias inteiras de acontecimentos” - que se encontram amalgamadas numa
totalidade social, cujo ponto de apoio é o modo de produção capitalista.
Diante disso, o trabalho dos autores evidencia a
importância de se buscar a essencialidade dos acontecimentos, isto é, faz-se
necessário buscar a base geradora das desigualdades nesta sociedade, sendo
estes elementos os pilares para construção de uma análise crítica reflexiva que
tenha como cerne a estrutura social em sua totalidade.
Referência Bibliográfica
ENGELS,
Friedrich. A Situação da Classe
trabalhadora na Inglaterra. São Paulo, Boitempo Editorial, 2003, original
de 1845.
COHEN, Percys. A Natureza da Teoria Sociológica. In COHEN, Percys. Teoria Social
Moderna. Ed. Zahar Editores, Rio de Janeiro, 1976.
GIDDENS, Anthony. Política
Social e Teoria Social. Ed. Unesp, São Paulo, 1998.
MELLO, João
Manuel Cardoso; NOVAIS, Fernando A., Capitalismo
Tardio e Sociabilidade Moderna. In,
NOVAIS, Fernando A., História da Vida Privada no Brasil. Ed. Cias das Letras,
São Paulo, 2000.
SANTOS,
Boaventura de Sousa. Cinco Desafios à
Imaginação Sociológica. In
SANTOS, Boaventura de Sousa. Pela Mão de Alice. Ed. Cortez, São Paulo, 1995.