Referência:
ZANTEN, Agnès Van. Pesquisa
qualitativa em educação: pertinência, validez e generalização. In: Perspectiva.
Florianópolis, v.22, n. 01, p.25-45, jan./jun.2004.
Palavras-chave:
Investigação qualitativa na
atualidade. O campo educacional. Interferências sociais e políticas.
Essência da obra:
Ao realizar a análise em questão,
Zanten traz para o debate “uma visão global da investigação qualitativa” no
campo educacional tendo como marco histórico o período atual. A autora
ressalta o papel das transformações “sociais e políticas que devem conduzir a
uma adaptação dos métodos qualitativos de investigação.” Isto é, existe uma
interferência direta desses dois elementos (político e social) no processo de
produção da pesquisa qualitativa. (p. 25). Ao apresentar sua visão, Zanten
preocupa-se com “os problemas dos métodos e, sobretudo, a utilização dos
métodos qualitativos no marco da sociologia da educação.” (p. 26). Diante
disso, a autora destaca que outra preocupação concerne-se ao fato de que a
pesquisa qualitativa foi desenvolvida num determinado momento histórico “da
sociologia, da antropologia”, diante disso, ressalta ela, que o desafio está
em adequar tais métodos de investigação “a uma realidade que tem mudado, uma
realidade social, política, educacional que são diferentes.” (p. 26). É
relevante frisar que de acordo Zanten, “os métodos qualitativos que [são
utilizados] no campo da Sociologia da Educação são, em geral, herdeiros de
duas grandes tradições: [...] da Antropologia, da Etnologia do que chamamos
métodos etnográficos, e uma tradição da sociologia qualitativa.” (p. 26). E o
desenvolvimento desses dois métodos se deu no final do século XIX e início do
XX. Diante disso, é importante frisar que “a sociologia conserva uma grande
tradição de trabalhar com grupos marginalizados”, não sendo este o caso da
sociologia da educação. Zanten destaca dois aspectos relevantes da
investigação qualitativa: primeiro refere-se ao “desenvolvimento do
conhecimento, ou seja, cada vez mais encontramos sujeitos, atores sociais,
que têm um nível de instrução mais elevado [...], segundo, o papel que tem,
atualmente, o conhecimento científico como base de controle social, de poder
e de avaliação de nossa sociedade.” É importante frisar que, a produção de
conhecimento influencia diretamente “na reconstituição de posições de
dominação.” (p. 27). Além disso, a autora destaca as relações de poder que
são concebidas no decorrer da pesquisa, onde o pesquisador em geral é
colocado como sujeito dominador, entretanto ressalta que isso vai depender do
local onde se encontra esse sujeito investigado, sua cultura, política,
conhecimento, já que isso diz muito a respeito de quem somos enquanto
sujeitos. “Em muitos trabalhos sobre administração da educação, ao se
comentar os temas de investigação, deparamo-nos com administrador que diz: ‘eu
penso que sei o que você quer saber[...]. Assim, também com pais de
classe média alta que dizem: ‘eu penso que você tem interesse nisto.’
(2004, p. 28) Essa relação se apresenta de forma diferenciada quando se
trabalha “com grupos mais dominados, estes já estão familiarizados com a
pesquisa.” É importante notar que a dimensão social e política influência
diretamente no processo de relação de poder entre pesquisador e pesquisado.
De acordo com Zanten “as mudanças sociais e políticas, ainda que nas menores
situações do estudo, têm impacto e nos convidam a mudar nossa maneira de
trabalhar.” (p. 30). A autora realça a relevância de se considerar “as categorias de análises” [para ela,] “essa
problemática” se faz importante, a partir do momento que nos leva a refletir
sobre os resultados da pesquisa. A investigação no campo qualitativo
pressupõe que se entenda de forma global “as categorias que mobilizam os
atores para compreender a realidade e para atuar sobre a realidade.” (p. 31).
No que se refere “a validade das
investigações qualitativas, é preciso observar, na avaliação, que os
resultados das pesquisas qualitativas parecem, geralmente, mais abertos do
que no caso das quantitativas. No campo da educação, eles são mais presentes
e são mais difíceis de se trabalhar já que as pessoas se consideram experts
em educação.” (p. 32). Isso porque é um campo onde são apresentados
diferentes pontos de vista, ou seja, para cada pessoa as temáticas
relacionadas a educação poderão se apresentar sob variados entendimentos. Vale
ressaltar que como bem coloca Zanten, “todos os atores aplicam, de certa
maneira, métodos de investigação para interpretar seu mundo.” (p. 33). Sendo as
técnicas e o rigor científico o diferencial desse processo. A autora frisa
que é importante saber fazer a seleção do material empírico a ser utilizado,
ressalta, além disso, que para “estudantes investigadores iniciantes, a
dificuldade está em cortar o material, aceitar a renunciar a uma parte dele.”
(p. 35). Para Zanten, o objetivo da pesquisa não é somente buscar a
veracidade dos fatos, mas sim, em entender a lógica dos sujeitos pesquisadores, em outras
palavras, como eles interpretam determinada realidade e agem diante da mesma,
portanto, é relevante que se entenda “as categorias de interpretação que
acionam os atores”. (p.36). Nesse sentido, ao produzirem pesquisas, “os
autores produzem uma inteligibilidade parcial, sobre uma parte da realidade,
extraindo certos fenômenos.” (p. 37). No que se refere “a generalização dos
resultados”, para Zanten, existe uma tendência a não generalização dos casos,
onde cada caso se apresenta como único. Nesse sentido, ela destaca que é
importante que se construa “uma teoria de médio alcance” quando se trata de
sistemas educativos. (p. 38). No que concerne a “dimensão comparativa”, ela
destaca que “se temos uma situação local e outras situações locais que já
foram estudadas podemos recorrer às comparações para mostrar que há um
processo que é possível ou não de se generalizar, bem como de marcar os
limites da generalização”.(p.39). No que tange “a dimensão da generalização é
o trabalho de transição permanente entre o que revela de propriedades
relacionais, conceituais e estruturais [...] não parece pertinente opor a pesquisa macrossociológica
à microssociológica[...]. [A forma como se conduz a pesquisa diz muito sobre
os seus resultados, por exemplo,] quando vamos trabalhar, com fenômenos de
globalização, vamos trabalhá-los de maneira localizada. Quando trabalhamos em
uma pequena escola verificamos que está havendo um fenômeno de globalização
das políticas educativas.” (p. 40). Nesse sentido, para a autora “um bom
trabalho de pesquisa, requer a capacidade mover-se com facilidade entre dois
níveis e de mostrar que há uma margem de ação entre os atores mas, ao mesmo
tempo, que o comportamento dos atores refletem mecanismos, processos
estruturais e, portanto, são suscetíveis de generalização.” (p. 41). Além
disso, é importante destacar que como bem coloca Zanten, é importante que se
defenda a construção das pesquisas qualitativas baseadas em estudos
empíricos, sendo esta uma das formas de validar e embasar a qualidade das
pesquisas. (p.42). A partir do mencionado, vale destacar que a autora traz
uma temática extremamente válida no que concerne a análise da pesquisa
qualitativa, ao apontar “diferentes maneiras” de refletir e pensar os
problemas que são atualmente apresentados no campo “das pesquisas em
educação, sobretudo, de tipo qualitativa”, Zanten, oferece ao leitor uma
análise crítica reflexiva das relações que vem sendo construídas
historicamente entre pesquisador e pesquisado.(p. 44)
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domingo, 18 de outubro de 2015
Fichamento do texto: "Pesquisa qualitativa em educação: pertinência, validez e generalização"
Fichamento do texto "Teorias do Progresso, Desenvolvimento e Evolução"
Universidade Estadual do Norte Fluminense
Darcy Ribeiro
Disciplina: Teoria Social
Docente: Geraldo Marcio Timoteo
Discente: Mirian de Freitas da Silva
Para Kenneth (1980), a ideia de progresso “por motivos históricos” vai
está intimamente vinculada a “há uma ampla e complexa variedade de ideias sobre
mudança social e cultural.” Segundo ele, o interesse no sentido de diferenciar
“o progresso, desenvolvimento e evolução são interessantes em teoria”,
entretanto ressalta que essa distinção não foi realizada “no curso geral da
indagação humanista, e muita confusão resultou da suposição de que o tivesse
sido.” Para ele, essa confusão se dá principalmente ao se discutir “a relação
entre evolução social e a orgânica é discutida. Uma dificuldade semelhante é
encontrada quando a hipótese do desenvolvimento da biologia do século XIX é
confundida com as noções contemporâneas de desenvolvimento social, bem como com
algumas tentativas atuais de explicar as mudanças que ocorrem nos países
subdesenvolvidos.” Diante disso, este texto tem como propósito de trazer para o
debate a “ideia de progresso [...] para indicar uma orientação teórica geral e
definida na análise sociológica.” (p. 65)
Segundo Kenneth (1980) afirma que, “em nossa luta com a história da
teoria sociológica, encontramos freqüentemente a expressão ou apresentação de
uma ideia que acaba sendo muito mais complicada do que a própria ideia. Excesso
de palavras, repetições cansativas e variações intermináveis sobre um tema
[...]. Assim, com freqüência nos vemos envolvidos na tarefa pouco compensatória
e desanimadora de romper os véus da verbarrogia para revelar banalidades.” (p.
65-66)
Nesse sentido, ao tratar “a ideia de progresso, estamos exatamente na
situação oposta: temos aqui uma noção aparentemente simples e direta, que num
exame mais detalhado, nos envolve em alguns dos mais complicados problemas do
moderno pensamento social do Ocidente.” Bury “em sua história ainda clássica da
ideia, definiu-a economicamente como crença de que a ‘civilização moveu-se,
está se movendo e se moverá numa direção desejada’.” Assim, para Kenneth, o que
poderia ser pensado como uma prospecção positiva acerca do futuro da
humanidade, tornou-se “uma teia complexa e sutil de ideias com consequências
metodológicas e substantivas de alcance maior para a ciência e a filosofia
socais.” (p. 66)
Ao observar o progresso o professor Bierstedt não o pensa como sendo um
problema somente a ser compreendido pela sociologia, além disso, destaca “que a
ideia de progresso dificilmente será mesmo uma ideia”, sendo “a fé no
progresso”, muito “mais uma questão de otimismo do que de fato ou verdade.
Certamente não se está referindo à mesma ideia de que intrigou Bury. Nem
poderia, Teggart ter em mente um otimismo vago, ao dizer que ‘as dificuldades
que o humanista tem de enfrentar no momento presente surgem da aceitação da
ideia de progresso como conceito orientador no estudo do homem. ” (p. 66)
De acordo com Kenneth (1980), a ideia de progresso quando entendido além
de um simples conceito normativo, tem se apresentado como fulcral no que diz
respeito a formulação da sociologia como disciplina, além de continuar a moldar
“profundamente as questões e perspectivas dessa ciência, e de ciências sociais
e culturais correlatas.” (p. 66)
Doravante, Kenneth destaca que a dificuldade em compreender o termo
progresso vai está intrinsecamente amalgamada a sua amplitude, sendo usado para
“referir-se a toda uma galáxia de ideias” nem sempre coesas.
Assim, Kenneth ressalta que entre os diferentes pensadores “as causas do
progresso, suas manifestações sucessivas e seus objetivos finais” irá receber
variadas especificações.
Destaque para diferentes formas de retratação do progresso, que vai desde
a “imagística simplesmente idílica e das declarações vazias de fé até a
construção de sequências detalhadas e intrincadas, baseadas em tipos escolhidos
da História, Arqueologia e Etnografia e reunidas por complicadas leis de
mudança”, esses elementos forma o que Kenneth denomina de ideia de progresso.
Assim, para entender o “papel desempenhado pelas teorias do progresso na teoria
da análise sociológica”, faz-se preciso buscar a compreensão desses elementos. Segundo
Kenneth, “uma dificuldade óbvia para a detecção de implicações mais
fundamentais da ideia de progresso é o fato de ser ela habitualmente
considerada como, acima de tudo, um juízo de valor sobre a história. A palavra
progresso encerra principalmente conotações normativas para a maioria de nós, e
os mais notáveis esforços para acompanhar a história da ideia foram marcados
pela preocupação em distingui-la das crenças sobre a decadência ou regressão,
ou sobre ciclos.” (p. 67)
Kenneth (1980) toma como referência intelectual a tradição “expressa nos
séculos XVII e XVIII num contexto de afirmações entusiásticas de melhoria
inevitável numa ou noutra faceta da vida humana.” (p. 67)
Alguns estudiosos merecem destaque no que concerne o estudo sobre a ideia
de progresso, são eles: Aristóteles e Agostinho, em Fontenelle e Saint-Pierre,
em Condorcet e Comte, em Spencer e Tylor, onde “encerra uma imagem detalhada e
abrangente de mudança. Envolve orientações específicas da história como
registro de acontecimentos. Indica uma interpretação definida e singular das
diferenças sociais e culturais e designa um uso de diferenças na construção de
teorias de mudança social e cultural.” (p. 67)
Para Bury, o progresso é compreendido “como um produto rigorosamente
moderno que surgiu no século XVII e atingiu sua expressão plena no século XVIII.
Contrastou-a com a ideia de ciclos característica da antiguidade grego-romana e
com a ideia medieval européia da Providência.” (p. 68)
Bury critica ambas as perspectivas, tanto a ideia de ciclos quanto a
ideia cristã de providência, para ele a ideia de ciclos de que a história é uma
repetição sucessiva de fatos, “afasta de forma absoluta uma fé numa melhoria
indefinida da vida humana e constituía empecilho a qualquer visão histórica
dotada de significação, inclusive a ideia de progresso.” Já a visão
providencial era para ele limitada a um marco temporal, que a seu ver era
curto, “no fim do qual o drama é completado e a cena do progresso mundial é
destruída [...] também afirmava que a ideia de providência, na medida em que
prevê o progresso, não considera como melhoria dos assuntos temporais, mas
apenas como uma compreensão de Deus, ou uma realização do estado de graça.” (p.
68)
Todavia, ambos os aspectos apresentados por Bury foram contestado, “os
socráticos [...] viram certo progresso no passado, e que a preocupação óbvia
tanto dos gregos como dos romanos com a melhoria de sua condição presente – a
administração do corpo político – só podia depender da fé pelo menos na
possibilidade de um futuro melhor.” (p. 69)
De acordo com Kenneth, tanto os Gregos quanto os primitivos Padres da
igreja tinham formuladas suas ideias acerca do processo de mudança. “Essas
ideias persistem na tradição intelectual ocidental e são básicas para a moderna
ideia de progresso.” (p. 69)
Para Kenneth, “Aristóteles é o caso mais significativo. Na física, ele
tomou a natureza como seu objeto de estudo, e seu primeiro passo foi defini-la
como o princípio de movimento e mudança [...] a natureza, portanto, é a mudança
ordenada.” (p. 70)
Assim, “o natural para Aristóteles, não é apenas uma média a que possamos
chegar observando e contando: é definido pela regularidade da ocorrência [...]
quando a mudança ocorre de qualquer outra maneira, não é da natureza. E isso
tem importância crucial, que Aristóteles observou que as ocorrências ocasionais
não podem ser estudadas pela ciência. O mundo da experiência humana, em
particular, é composto de acontecimentos incompreensíveis a crenças.” (p. 70-71)
Nesse sentido, a natureza é apresentada por Aristóteles “como princípio
de desenvolvimento ordenado para a realização de determinados fins. [...] a
mudança se processa dentro de uma estrutura estática de espécies ou gêneros que
encerra um potencial de toda uma série de ordens, que são eternas em si
mesmas.” (p. 71)
“O processo natural de mudança social que sua ciência descobriu,
portanto, era uma afirmação daquilo que ele considerava o melhor para os homens
e sua experiência histórica. [Para Kenneth], não é difícil ler uma doutrina do
progresso como um aperfeiçoamento dessa tese.” (p. 72)
Segundo Kenneth, “à parte as questões da melhoria com o tempo, o que
encontramos no pensamento grego exemplificado por Aristóteles é um protótipo
claro e detalhado da teoria do progresso da Europa Ocidental do século XVIII, e
que nos será útil para identificar as características destacadas dessa teoria e
acompanhar suas ramificações na teoria social contemporânea.” (p. 73)
Cabe ressaltar que Tucídides, “não falava apenas do progresso da cultura
para procurar demonstrar esse progresso através de recursos que só eram
permissíveis à base de proposições sobre a mudança natural, como as encontradas
na teoria de Aristóteles. [Tucídides] utiliza as ideias de que existe na
natureza algo como sociedade ou cultura, que sofre um crescimento idêntico onde
quer que se encontre, porque o mesmo potencial existe em todos os seus
exemplos; de que obstáculos, impedimentos ou interferências alteram o processo
natural em vários lugares, de modo que vemos povos em várias fases ‘do
crescimento nacional’. O panorama do progresso é, assim, estendido à nossa
frente no presente.” (p. 74)
Kenneth ressalta que dentre “os autores cristãos antigos, Santo Agostinho
é o que oferece um exemplo mais da utilização de ideias gregas para a
construção de uma Filosofia da História”, servindo de modelo aos teóricos do
progresso no século XVIII.
“Agostinho conservou [...] a visão aristotélica de que a realidade a ser
estudada é uma mudança ordenada e propositada, que se processa gradual e
continuamente, através de uma série de passos ou fases, até chegar a um fim que
era imanente no início ou origem.” (p. 74)
Segundo Kenneth (1980, p. 75), “a moderna teoria do progresso tomou forma
na Querela[1]
entre os antigos e os modernos, ou pelo menos é conveniente,
retrospectivamente, situar naquele contexto a confluência de ideias que se
aproximam, em última análise, na obra de Turgot e Condorcet. O objeto da
Querela era como as obras artísticas, filosóficas e científicas da Europa
moderna se comparavam com as obras dos gregos e romanos da Antiguidade. [...] a
parte da Querela relevante para nosso interesse aqui se situa na segunda metade
do século XVII. Como debate puramente literário, a Querela foi a princípio
marcada pela expressão de simples opiniões sobre os méritos relativos do antigo
e do novo, mas os modernos procuraram mostrar logo que não só as produções mais
recentes eram superiores às mais antigas, mas também que deveriam ser.” (p. 75)
“’Sobre os antigos e os modernos’
(1968), de Fontenelle, resumiu a tese do progresso. Sua argumentação se baseia
na constância e uniformidade dos poderes da natureza. Eram maiores as árvores
nos tempos antigos? Se não, também não deveremos supor que Homero e Platão eram
superiores aos homens do século XVII. (Toda natureza é a mesma; há níveis
correspondentes na natureza.) [...] Fontenelle antecipou as teorias do
progresso orgânico do homem, o homem se tornará dotado de poderes intelectuais
cada vez maiores.” (p. 76)
Segundo Fontenelle, “é possível [...] simplesmente considerando a
natureza humana, conjeturar toda a história, passada, presente e futura. A
natureza humana consiste em certas qualidades, e estas resultam em certos fatos
ou acontecimentos. Estudando a história dessa maneira, chegamos à fonte básica
das coisas. [...] os acontecimentos e o acaso por vezes contribuem para a
sucessão ordenada de mudanças que foram a substância da história humana, mas
devemos atentar principalmente para os costumes e os usos dos homens, que
resultam da mente e das paixões humanas. Não é nos próprios fatos que os
devemos apoiar, mas no ‘espírito’ dos fatos. É essa a reação cartesiana final à
pobre ciência conjetural da história. [Assim de acordo com], as opiniões de Fontenelle
[...] dada uma condição de conhecimento na Grécia e Roma Antiga e uma condição
de conhecimento na Europa do século XVII, a questão de qual era superior é
transformada numa questão de como a última se desenvolveu da primeira, de
acordo com leis de mudança que garantiam a superioridade do produto. Não era
apenas uma questão de melhoria das coisas através do tempo; mais
fundamentalmente, era um caso de uma entidade que tinha uma carreira no tempo,
que havia desdobrado um certo potencial e se realizado no tempo.” (p. 77)
“A mente humana, então, é apresentada pelos modernos como tendo mudado no
tempo, e a mudança é representada como crescimento: é lenta e gradual e marcada
por estágios ou fases, e não por acontecimentos. Os acontecimentos são apenas
manifestações do processo de crescimento. A mudança é considerada como um
desenvolvimento no sentido preciso de um desdobramento, ou de um vir-a-ser
daquilo que é potencial na coisa que se modifica. A mudança é imanente.” (p.78)
Segundo Kenneth, “o terrível espetáculo do declínio medieval que se
seguiu à grandeza do mundo greco-romano questionava qualquer argumento de
progresso. [...] como explicar esses fenômenos se um princípio imanente de
progresso estava em operação, se Deus havia colocado na natureza leis que
funcionavam de maneira constante e uniforme para realizar todo o potencial da
mente humana? Fontenelle formulou essa questão em sua forma ampla, perguntando
como explicar as diferentes condições da vida humana. Se os poderes da natureza
são constantes, então os exemplos de uma coisa por ela produzida deveriam ser
os mesmos em toda parte e em todas as épocas. Mas as pessoas não são as mesmas
em todos os tempos e todos os lugares.” (p. 78)
Porém, Kenneth (1980) critica essa ideia desenvolvida por Fontenelle,
para Kenneth mesmo que estivéssemos falando da mente humana ou de alguma coisa
que surge num determinado tempo, deve-se “esperar que surja em diferentes
formas a diferentes épocas, ainda é preciso saber por que todos os povos, num
determinado momento, não apresentam o mesmo aspecto. [...], portanto,
Fontenelle e os modernos [...] ao estabelecerem esse ponto, desenvolveram uma
teoria sobre o progresso humano, evidenciada pelo desenvolvimento mental,
segundo a qual em qualquer relação temporal de dois ramos da raça humana a mais
recente no tempo devia ter progredido, no desenvolvimento mental, além da raça
mais antiga no tempo. E como acréscimo à teoria diziam que, quando esse
progresso não ocorria, ou quando era retardado, ou quando havia um retrocesso real,
isso ocorria devido a circunstâncias especiais que constituíam obstáculos ou
impedimentos ao processo.” (p. 78-79)
“A ideia de progresso formulada durante a Querela era uma concepção da
maneira pela qual o conhecimento havia crescido, e não do avanço da sociedade.
Os modernos buscaram uma reforma no conhecimento e nos métodos de indagação,
não uma reforma da sociedade. Mas as consequências do envolvimento da mente
humana para a vida social e cultural foram, dentro em pouco, objeto de
especulação. Francis Bacon havia afirmado antes que o conhecimento era útil,
aqui nesta vida, e que conhecendo a natureza poderíamos imitá-la e controlá-la
em nosso benefício. [Essa ideia foi aprofundada no início do século XIX por
Saint-Pierre, que afirmava], a razão humana [...] poderia refazer o
conhecimento e, com isso, as condições de vida. [...] Saint-Pierre, via uma
melhoria total na vida humana quando os soberanos fossem convencidos a seguir
os ditames da razão [...] e a humanidade havia aprendido a evitar obstáculos ao
progresso como às guerras e os maus governantes.” [para ele a humanidade era
concebida como uma entidade que, assim como um organismo individual , caminha
para a perfeição, entretanto, diferentemente de outros organismos, nunca morre.
(p. 79-80)
Kenneth destaca que “uma das primeiras exposições sistemáticas dessa
orientação das diferenças culturais foi feita por Turgot [...]. A teoria do
progresso de Turgot incluía a importante e influente ideia de que todas as
instituições, todas as partes da cultura, avançam lado a lado, artes,
conhecimento e instituições políticas, todas mudam ao mesmo tempo e estão
ligadas de tal modo que, quando uma muda, todas mudam, e de acordo com o mesmo
princípio. [...]. [De acordo com Kenneth], embora seu trabalho sobre a história
universal não passasse de um esboço e os detalhes não tivessem sido
desenvolvidos, Turgot buscou a causa básica do movimento e do progresso na
própria natureza humana. Esta é constituída tanto da razão como das paixões, de
modo que o triunfo da razão, e o resultante crescimento do conhecimento, não
seguem o caminho simples sugerido pelo argumento dos modernos. [...] A
continuidade, para Turgot, é uma marca da história; o passado era necessário ao
estado atual do desenvolvimento. [...] todas as nuanças de selvajeria e
civilização são, na verdade, observáveis no presente, e, nos retratam todos os
passos dados pela mente humana – ‘a história de todas as eras’. As diferenças
atuais entre as culturas devem ser consideradas, então, como diferenças de
grau, não de espécie.” (p. 81-82)
Segundo Kenneth, assim, como Turgot, “a apresentação clássica que
Condorcet fez da teoria do progresso em fins do século XVIII também se ocupa
nominalmente do desenvolvimento da mente, mas é, na realidade, uma explicação
da mudança social ou cultural, agora com atenção consciente para o detalhe
substantivo e metodológico. Ele foi específico sobre o conteúdo do progresso: a
razão chegaria a dominar as paixões, a sociedade seria então reorganizada para
o crescimento continuado em bases racionais, e o resultado seria a igualdade –
igualdade de realização entre as nações; igualdade de riqueza, educação e
situação social entre todos os homens – e liberdade como consequência.” (p.
82-83)
Condorcet observou assim que a estagnação, fixadez e estabilidade são,
com frequência, estados sociais característicos e que as pessoas habitualmente
se opõem a mudança de seus modos. [Ele] “atribuiu essa falta de progresso no
homem a fatores como hábito, tradição, aversão natural ao novo, indolência e superstição.
[Assim, para Kenneth], ao estabelecer as fases do curso de constante do
progresso, Condorcet tinha perfeita consciência de que o processo histórico
real havia sido pontilhado e afetado por grandes acontecimentos como guerras,
migrações e conquistas, mas a isso chamamos de acasos dos acontecimentos
[...].” (p.84)
Kenneth realça que “enquanto Turgot e Condorcet podem ser considerados
como exemplos da teoria do progresso no Iluminismo francês, não é fácil
encontrar figuras equivalentes para o Iluminismo alemão. [...] Frank E. Manuel
deixou claro, os progressistas alemães estavam interessados na questão do
aperfeiçoamento moral, e essa preocupação fazia da construção rudimentar e
fácil das fases do progresso científico ou material uma empresa irrelevante.
[Ainda a esse respeito, Kenneth destaca que] assim, em esboços de uma Filosofia
da história do Homem, de Herder, a entidade que se desenvolve ou realiza no
tempo é a ‘humanidade’, uma qualidade definida de forma bastante vaga, que só
tomou corpo em contraste com a barbárie presente. No tratamento de Herder, não
só a questão do progresso está envolta em pesadas conotações religiosas, mas
também o lócus e o ritmo do próprio processo não têm a simplicidade e clareza
do esquema de Condorcet.” (p. 85)
Com relação a isso, Kenneth destaca que “Kant não oferece esse tipo de
dificuldades, mas sua teoria do progresso não é a que predominava no século
XVIII. [...] Kant é bastante claro quanto aos seus propósitos: construir uma
Filosofia do Homem que apresente um quadro do que poderia ter ocorrido no
passado e poderá continuar ocorrendo no futuro e o que é moralmente aceitável
para um homem ativo com um senso inato do dever.” (p. 86)
Além disso, Kenneth ressalta outras concepções acerca da ideia de
progresso, como, por exemplo, “[...] Frederick J. Teggart encontrou em David
Hume o que equivale a uma antítese da ideia de progresso – uma negação da
naturalidade da mudança social ou cultural, uma negação de sua continuidade
tanto no tempo como no espaço, e com isso uma negação de sua imanência. Hume
postulou, em lugar disso, uma inércia geral, ou estabilidade, como
característica da condução humana e a considerou sujeita a modificações comuns
bastante graduais e a infreqüentes mudanças resultantes de interrupções nas ordens
estabelecidas [...]. [para Kenneth] os equívocos dos escoceses podem ser
explicados, em parte, pela sua abordagem caracteristicamente indutiva e
empírica do problema do progresso. [Entretanto, vale destacar que segundo
Kenneth] há uma coisa de Rousseau na maioria dos teóricos do progresso. Eles
estavam profundamente descontentes com suas próprias sociedades, e mostravam os
males passados, mesmo quando reconheciam o passado como um passo necessário
para um futuro melhor.” (p.87)
“Em seu Essay on the history of civil society, Ferguson tinha evidente
consciência das exceções ao progresso na experiência humana [...] ele não
considerava o progresso como uma regra geral. [...] Mas o declínio, argumentava
ele, não é inevitável, e não ocorre ‘em consequência de qualquer desequilíbrio
incurável na natureza da humanidade, mas devido à negligência e à corrupção
voluntárias’. Pelo contrário, a natureza humana, como todas as ‘produções
naturais’, é progressista, tanto em suas atividades como em seus poderes. Não
só o indivíduo progride da infância para a maturidade, como a própria espécie
avança da barbárie para a civilização.” (p. 88)
“Para Ferguson, portanto, há em funcionamento um princípio que tende a
produzir o avanço, e era com o delineamento dessa tendência – a ‘história
natural’ da humanidade, ou da sociedade civil – que ele, como filósofo moral,
se preocupava.” (p.89)
“O objetivo de Ferguson, como ele disse, era descobrir ‘o que a mente
humana podia realizar’ e procurar isso na ‘história da humanidade’. Inspirou-se
em Tucídides que, apesar do preconceito de seu país contra o nome de bárbaro,
compreendeu que era nos costumes das nações bárbaras que podia estudar os
costumes mais antigos da Grécia.” (p.90)
Para Ferguson, “onde o progresso ocorreu, seguiu sempre o mesmo caminho,
pois o avanço social foi produto da natureza humana, manifestando-se em
circunstâncias favoráveis.” (p. 91)
Segundo Kenneth, “Comte, embora não questionasse a ideia de progresso,
apresentou-a e usou-a de maneira bastante aberta, completa e sistemática e
expôs suas suposições e implicações como poucos haviam feito antes. [...] Comte
afirmou claramente: ‘... o progresso da sociedade, dependendo da natureza
permanente da humanidade, deve em todas as épocas ser essencialmente o mesmo;
as diferenças consistem simplesmente em maior ou menor rapidez’. Foi, na
verdade, a identidade notável no desenvolvimento das diferentes nações que
testemunhou a forma de um princípio uniforme de progresso, derivado das leis
básicas da natureza humana.” (p.92 -93)
Para Comte, “as diferenças, portanto, representavam graus de
desenvolvimento ao longo de uma mesma linha – como se poderiam observar num
pasto diferenças entre cavalos de diversas idades. Dada uma interpretação
progressista, e não crítica, da história, porém, Comte, tinha de atribuir a
coexistência temporal das diferenças de cultura a acidentes.” (p. 94)
Kenneth ressalta que, apesar de Herbert Spencer seguir a hipótese
desenvolvimentista de Comte, aparece uma diferença de significância. “Para
Spencer, [...] a concepção de progresso se devia converter numa lei científica
[...] a natureza essencial do progresso ‘em si’ foi considerada por Spencer
como um desenvolvimento heterogêneo a partir do homogêneo, como um processo de
diferenciação. [...] todo movimento se faz do homogêneo para o heterogêneo, do
simples para o complexo, do não diferenciado em forma e função para o
diferenciado.” (p. 96)
De acordo Spencer, “o ambiente era diferente de lugar para lugar e que
tinha um efeito sobre a vida social, que o tamanho das sociedades era com
frequência alterado pela anexação ou perda de território, e que as misturas
raciais introduzidas pela conquista mudam o caráter médio das unidades das
sociedades. Émile Durkheim concordava com Spencer sobre esse ponto, observando
que as sociedades não diferem apenas em grau, mas também quanto ao tipo ou
espécie [...].” (p. 97)
“Para Spencer, as diferenças sociais
e culturais representaram várias etapas de evolução; os dados reunidos por seus
associados serviram para ‘ilustrar a evolução social sob seus vários aspectos’.
[...] Durkheim abordou o problema das diferenças culturais de uma perspectiva
mais ampla, identificando unidades sociais comparáveis que podiam ser vistas
como situadas em algum ponto entre as sociedades históricas singulares que
chamaram a atenção dos historiadores tradicionais e a humanidade ideal
singular, cuja carreira o filósofo da história procurou traçar. [Para Kenneth]
sua classificação ficou incompleta e nunca foi preenchida por povos reais.” (p.
98)
O ponto de discordância entre os
teóricos do progresso de fins do século XIX e princípios do século XX,
“relacionou-se com a questão da inevitabilidade do progresso e a necessidade
de, ou adequação da participação humana no processo. Os que simplesmente
reiteravam a doutrina do laissez-faire do século XIX passaram a ser
identificados como darwinistas sociais. Uma desenvolvida argumentação em favor
da intervenção ativa no progresso foi feita pelo sociólogo americano Lester F
Ward, que argumentou que a evolução tornou-se teleológica no nível da sociedade
humana e envolvia a proposição consciente e a escolha pelo homem.” (p. 100)
“Já se notou que os europeus, quando confrontados com um mundo povoado
por sociedades radicalmente diferentes, encerrando culturas pertubadoramente
diferente, negaram de forma característica a realidade básica dessas diferenças
e as interpretaram como representações de fases do desenvolvimento da sociedade
ou cultura como tal.” (p. 101)
Para Kenneth é uma tarefa difícil situar o trabalho/ ”obra de Karl Marx
na história da ideia de progresso. Como Karl Marx nos deu uma visão, se não uma
profecia, de uma sociedade melhor, embora essa visão não seja detalhada, é
fácil ver no marxismo, como fez Ginsberg, uma materialização moderna da fé no
progresso. [...] embora existam provas de que Marx nada queria com a noção tão
afável e burguesa, sua preocupação e sua esperança com o que considerava
abertamente como uma melhoria provável na situação humana o colocam pelos num
grupo, amplamente definido, de autores que acreditavam no progresso como uma
melhoria. Quando se trata da ideia de progresso como o complexo de ideias e a
natureza e o curso da mudança, que vimos discutindo aqui, a inclusão de Marx
entre os desenvolvimentistas é outra questão. [...] sua posição pode ser melhor
examinada com o objetivo de fixar as características marcantes da ideia de
progresso e suas consequências para o estudo histórico. [Segundo Kenneth],
apesar de toda a sua surpreendente
originalidade, Marx não deixou de ser afetado pelo clima intelectual de sua
época [...] dada a onipresença da ideia de progresso, não seria de surpreender
se não encontrássemos em seus escritos traços do evolucionismo. [...] primeiro,
Marx e Engels estavam obviamente interessados em descrever as fases históricas.
Em a Ideologia Alemã, eles identificaram fases do desenvolvimento das formas de
propriedade – tribal, antiga, feudal e capitalista. Modos de produção asiático,
antigo, feudal e modernos foram delineados por Marx na Critica da economia
política e o assunto foi tratado em
maior detalhe em formações econômicas pré-capitalistas. Não se torna claro,
nessas discussões, qual é o universo do discurso – a que entidades essas fases
se referem – mas há uma forte sugestão de que a propriedade e a produção eram
consideradas como categorias universais
que tinham uma história que podia ser reconstituída por uma disposição de
formas escolhidas de vários tempos e lugares.” (p. 103-104)
“Segundo, Marx usou ocasionalmente a linguagem tradicional dos
progressistas na descrição do processo histórico. A sociedade era tratada como
um todo. ‘A historia de todas as sociedades até então existentes é a história
das lutas de classes. A sociedade burguesa foi repetidamente descrita como
apenas a forma ‘mais altamente desenvolvida e mais altamente diferenciada’, de
modo a poder ser usada como a chave de ‘todas as formas passadas de sociedade’
mais ou menos da maneira pela qual ‘a anatomia do ser humano é uma chave para a
anatomia do macaco’”. (p. 104)
Segundo Kenneth, “a confusão quanto à ideia de progresso social,
desenvolvimento ou evolução, com a teoria da evolução orgânica estabeleceu
certa imprecisão na história da teoria social, e as consequências são hoje mais
evidentes do que nunca.” (p. 105)
“Sugerir que foi Charles Darwin e seu conceito de seleção natural o
responsável pela adoção de uma perspectiva histórica nas disciplinas humanistas
na segunda metade do século XIX é ignorar a longa tradição de pensamento
evolucionista na teoria social, que antecedeu a adoção desse ponto de vista na
bilogia. Devemos lembrar não só que desenvolvimentistas culturais como Tylor e
McLennan, embora perfeitamente conscientes da obra de Darwin, observaram o fato
simples de que estavam interessados num diferente tipo de estudo [...]. Auguste
Comte consistiu na rigidez das espécies, mas via as formas sociais como
produtos de fluxo continuado. Herbert Spencer, dois anos antes da publicação de
A Origem das Espécies, tinha dúvidas sérias de que tivesse existido um
movimento, no tempo, de plantas e animais mais simples e homogêneos para a
produção de organismos complexos e heterogêneos. Não tinha dúvida, porém que a
sociedade havia evoluído nesse sentido. Aristóteles adotara uma opinião
basicamente semelhante sobre a matéria.” (p. 105)
“[...] O que devemos notar são as interpretações errôneas e infelizes de
Darwin e dos evolucionistas sociais que resultam das tentativas de aproximar os
dois, e os esforços freqüentemente confusos e abortados para Biossociologia ou
Sociobiologia.” (p. 106)
“Embora fosse uma perspectiva orientadora e dominante para a Sociologia e
a ciência social em geral no século XIX, a ideia de progresso ou evolução não
escapou ao questionamento, como já observamos. A explicação das diferenças
culturais foi sempre um problema difícil para os evolucionistas. Quando foram
apresentadas as explicações raciais na primeira metade do século XIX, foram
consideradas como deficientes por estudiosos como Maine e Theodor Waitz, que,
nas circunstâncias, foram obrigados a se ocupar diretamente da questão.” (p.
107)
“De outros círculos, principalmente entre as fileiras da Antropologia,
algumas das suposições subjacentes ao uso do método comparado foram
questionadas. [...] foram reunidas provas que negavam a uniformidade dos
processos social e cultural através do tempo e do espaço. Houve uma crescente
autoconsciência sobre o caráter etnocêntrico do esquema desenvolvimentista
europeu. A reação, liderada por Boas, foi um retorno a uma perspectiva
difusionista [...] em consequência desse tipo de crítica, a forma clássica do
evolucionismo do século XIX teve problemas sérios na década de 1890 e 1930 foi
considera morta. [Para Kenneth, a fé na ideia de que o progresso era uma
melhoria, caminhou para esse mesmo caminho, entretanto em circunstâncias
distintas]. Não foi, porém, expulsa do campo por outra teoria da mudança social
ou cultural. Será mais exato dizer que a bancarrota evidente do evolucionismo
desencorajou a construção de uma teoria grandiosa da mudança, e que o novo
trabalho teórico concentrou-se em torno de um tema correlato na tradição do
pensamento social ocidental: o funcionalismo.” (p. 108)
“[...] os
funcionalistas modernos, Malinowski argumentou que, antes de podermos entender
como os fenômenos culturais chegaram a existir, devemos conhecer a natureza da
cultura. [...] Talcott Parsons disse mais tarde, para a construção de uma
teoria sólida da mudança social, é necessário conhecer o que é o que muda. Se
houve qualquer conflito entre o evolucionismo e o funcionalismo, portanto, foi
a crítica dos evolucionistas-funcionalistas, nos últimos anos, aos
funcionalista-evolucionistas antigos de que não realizaram com o devido cuidado
a parte funcional de seu trabalho. [...] o ‘renascimento’ do evolucionismo e
marcado por uma íntima aderência ao formato do século XIX. [...] O
desenvolvimento é mencionado como um processo uniforme, e as sociedades que
tiveram uma experiência diferente são descritas como subdesenvolvidas.” (p. 109-110)
“O aparecimento dessa moderna ideia
de progresso ou evolução do funcionalismo não podia encerrar uma promessa de
reforma da teoria dos processos sociais e culturais. Em sua preocupação com o
problema da ordem social, os funcionalistas-estruturais chamaram atenção para
as realidades históricas da persistência ou estabilidade nas sociedades humanas
e tentaram explicá-las. Isso representa um afastamento claro da habitual
explicação evolucionista da estagnação, em termos do acidental ou anormal.
[...] isso parece pressionar no sentido de uma explicação da mudança, em lugar
da afirmação tradicional de que ela é natural e onipresente. [...] o que é
característico das sociedades e culturas não pode explicar a incidência
errática das mudanças conseqüentes dos tipos de acontecimentos. Evitar o
uniformismo da ideia de progresso é uma pré-condição para uma explicação da
mudança e da diferença.” (p. 110)
Referência Bibliográfica:
BOCK, Kenneth. Teorias do Progresso, Desenvolvimento e Evolução. In BOTTOMORE, Tom; NISBET, Robert (orgs). História da Análise Sociológica. Zahar Editores, Rio de Janeiro, 1980.
[1] “A história intelectual da Humanidade insere-se numa
genealogia vasta proveniente das contendas entre aqueles que defendem a
excelência dos tempos antigos e aqueles que argumentam a superioridade do tempo
presente.” Disponível em < https://cultura.revues.org/1124>. Acesso em agosto de 2015.
O Papel das Teorias na Compreensão da Realidade Social
O modo de produção capitalista expressa na sua materialidade e conteúdo
as contradições da atual sociedade, constituída de classes sociais antagônicas
cujos objetivos e ações variam no tempo e no espaço.
Tal sociedade ao ser analisada tanto por Engels (1845) - como por Mello e
Novais (2000), é expressa nos relatos desses autores, respectivamente, como uma
sociedade que desde seu nascedouro no período de Revolução Industrial retratado
por Engels, até em tempos mais recentes retratados por Mello; Novais, como uma
sociedade permeada pelas contradições.
Nesse sentido, diante de tais relatos é possível observar que o que varia
é apenas o grau dessas contradições, doravante as mesmas se fizeram e se farão
presentes não importa quanto tempo se passe, já que esses antagonismos sociais constituem
a estrutura social capitalista.
Em outros termos, tais contradições, é parte essencial
da natureza do modelo de produção capitalista, isso porque, esse modo de
produção se expressa e se revigora a partir da proliferação dos antagonismos
sociais.
Assim, Engels, lá
em (1845), ao analisar “a situação
da classe trabalhadora na Inglaterra” já retratava as discrepâncias e
diferenças sociais entre ricos e pobres, proletariado e empresários, diante de
tantas diferenças e indiferenças, ele afirma que,
Em todas
as partes, indiferença bárbara e grosseiro egoísmo de um lado e, de outro,
miséria indescritível; em todas as partes, a guerra social: a casa de cada um
em estado de sítio [...] e tudo isso tão despudorada e abertamente que ficamos
assombrados diante das consequências das nossas condições sociais, aqui
apresentadas sem véus, e permanecemos espantados com o fato de este mundo
enlouquecido ainda continuar funcionando. (p. 68)
Nesse sentido, é de suma relevância que se apreenda os
relatos trazidos por Engels desse contexto como sendo dados referentes a acontecimentos
sociais que por mais que sejam retratados ou referentes a um contexto histórico
longínquo nos dá base para pensar as transformações sociais em curso na
sociedade capitalista atual, isso porque se refere a uma análise que abarca uma
categoria de acontecimentos em sua totalidade – a sociedade capitalista.
Diante disso, procura-se aqui entender e
analisar os acontecimentos históricos imbricados num determinado período de
tempo, sendo estes formados a partir de múltiplas causas na perspectiva de
totalidade. E é partindo desse princípio que se pode melhor captar a dinâmica
do capitalismo, seu papel na estrutura social e na divisão de classes, tendo
sempre como orientação a história e os processos dela decorrentes.
Partindo dessa perspectiva, Engels, destaca que
[...] nessa guerra social, as armas de
combate são o capital, a propriedade direta ou indireta dos meios de
subsistência e dos meios de produção, é óbvio que todos os ônus de uma tal
situação recaem sobre o pobre. Ninguém se preocupa com ele: lançado nesse
turbilhão caótico, ele deve sobreviver como puder. Se tem sorte de encontrar
trabalho, isto é, se a burguesia lhe faz o favor de enriquecer à sua custa,
espera-o um salário apenas suficiente para o manter vivo. (p. 69)
Assim, o trabalhador se ver
submerso a uma estrutura social que desde sua gênese manifesta-se através das
segmentações, das diferenças entre possuidores de riqueza (capitalistas) e
despossuídos (trabalhadores), onde este depende de conseguir meios para
sobrevivência, esses meios são conseguidos a partir da venda da força de
trabalho.
Nesse sentido, o trabalhador é colocado nessa sociedade como uma
mercadoria, seu valor está naquilo que é produzido por seu trabalho, sem isso o
pobre estaria condenado a viver na indigência.
Entretanto, como bem ressalta Engels ao retratar as condições de vida do
proletariado no país berço da Revolução Industrial – Inglaterra, nem sempre ter
um emprego garantia ao trabalhador condições dignas de sobrevivência, já que as
condições e meios eram demasiadamente adversas para aqueles que nada possuíam,
a não ser a força de trabalho.
Tendo como base os pressupostos acima, Engels (1845, p. 69) relata que
durante o período em que permaneci na Inglaterra, a
causa direta da morte de vinte a trinta pessoas foi a fome, em circunstâncias
as mais revoltantes; mas, quando dois inquéritos, raramente se encontrou um
júri que tivesse coragem de atestá-lo em público. Os depoimentos das
testemunhas podiam ser os mais claros e inequívocos, mas a burguesia – à que
pertenciam os membros do júri – encontrava sempre um pretexto para escapar ao
terrível veredicto: morte por fome. Nesses casos a burguesia não deve dizer a
verdade: pronunciá-la equivaleria a condenar a si mesma. [...] a isso chamam os
operários ingleses de assassinato social e acusam a nossa sociedade de
praticá-lo continuamente.
Ora, a citação acima
remete-se a considerar como base reflexiva uma sociedade que já nasce a partir
da instituição da propriedade privada baseada em interesses antagônicos, sendo,
diante disso, espaço de lutas, embates políticos, assim, os conflitos decorrentes
dessas relações encontram-se num emaranhando de forças, onde o econômico e o
político desempenham papeis fulcrais, ou seja, como fatores que contribuem
diretamente para essa subordinação de uma classe em relação a outra.
Neste
sentido, compreende-se, que a presente reflexão acerca dos fatos apontados por
Engels, fugirá de enfoques imediatistas, buscando assim, uma leitura crítica
dos fatos e das relações sociais num contexto onde envolve as contradições de
uma realidade que está em constante movimento e/ou mutação.
No que concerne aos relatos
trazidos por Mello e Novais, acerca da mutabilidade das relações sociais, bem como as transformações
econômicas manifestadas cotidianamente na vida do povo brasileiro, acaba por
ser mais uma comprovação daquilo que se mencionou linhas atrás, ou seja, que a
realidade social está em constante movimento, assim, o que muda nesse modo de
produção não são as formas de exploração e subordinação e sim o grau intensidade
e complexidade tanto de um como de outro. Ele poderá ser mais cruel como bem
retratou Engels (1845), ou ser mais sutil como bem retrata Mello e Novais
(2000), entretanto sua natureza continua sendo a mesma, isto é, se alimenta da
exploração do homem ao mesmo tempo em que o transforma em objeto de seu próprio
trabalho.
Assim, de acordo com Mello e Novais (2000,
p. 560 a
562)
Para tratar das
relações entre as transformações econômicas e as mutações na sociabilidade,
manifestas na dura vida cotidiana e na precária privacidade, comecemos,
portanto, por distinguir os momentos significativos que se estendem do
pós-guerra aos nossos dias. [Para eles, o período que vai de 1945 a 1964, a sociedade brasileira
vivenciou] momentos decisivos do processo de industrialização com a instalação
de setores tecnologicamente mais avançados, que exigiam investimentos de grande
porte; as migrações internas e a urbanização ganham um ritmo acelerado. [...]
[Sendo assim, de acordo com os autores a] análise da modernidade brasileira
parte do otimismo para a desilusão, e jogará simultânea e permanentemente com
elementos das várias fases do conjunto do período, de forma a dar conta das
conexões e da diversidade de ritmos nas várias esferas da realidade em
movimento.
Do exposto ao analisar “os
novos padrões de consumo no Brasil”, Mello e Novais (2000) relatam de forma minuciosa
as mudanças de hábitos, costumes e estilos das famílias brasileiras a partir do
processo de urbanização e industrialização. Nesse sentido, eles destacam que no
Brasil, pôde ser observado “[...] o predomínio esmagador do alimento
industrializado. O arroz, o feijão, o açúcar, as farinhas, de trigo, de rosca,
de mandioca, já empacotados de fábrica em saco de plástico e não na hora,
retirado de tonéis, de sacos ou de vidros imensos e colocados em saco de
papel.” (p. 564)
Assim, os processos acima
destacados referem-se a transformações que se encontram em curso desde o
nascimento do modo de produção capitalista, são transformações que permeiam a sociedade
em suas diferentes fases de desenvolvimento, trata-se de transformações
heterogêneas, já que depende de outros processos para se desenvolverem.
No caso do Brasil, os autores destacam que
Num período relativamente
curto de cinqüenta anos, de 1930 até o início dos anos 80, e, mais
aceleradamente, nos trinta anos que vão de 1950 ao final da década dos 70,
tínhamos sido capazes de construir uma economia moderna, incorporando os
padrões de produção e de consumo próprios aos países desenvolvidos.
Fabricávamos quase tudo. (MELLO; NOVAIS, 2000, p. 562)
O povo brasileiro passa a
partir de então a vivenciar uma realidade antes não experimentada e o Brasil
foi se constituindo como um país dito moderno, suas desigualdades estavam sendo
escamoteadas pela ideia de progresso que contaminava grande parte da população,
principalmente aqueles que moravam no campo.
[...] matutos,
caipiras, jecas: certamente era com esses olhos que, em 1950, os 10 milhões de
citadinos viam os outros 41 milhões de brasileiros que moravam no campo, nos
vilarejos e cidadezinhas de menos de 20 mil habitantes. Olhos, portanto, de
gente moderna, “superior”, que enxerga gente atrasada, “inferior” [...] todos
descalços, um ou outro possuindo uma bota ou uma alparcatas, as crianças nuas
ou só de calçãozinho, barrigudos, cheias de vermes. As mulheres, umas velhas
aos trinta anos, poucos passando dos cinquenta. (MELLO; NOVAIS, 2000, p.
574-578)
No trecho citado pelos
autores, é possível identificar as formas de exclusão vivenciada pelo povo
brasileiro, num período onde se acreditava está o Brasil caminhando para ser
uma nação moderna. As desigualdades existentes entre campo e cidade, leva ao
processo de êxodo rural como retrata Mello e Novais (2000, p. 574), a população
do campo foi acometida pela ilusão de progresso social e econômico, pois
acreditavam que as cidades poderiam oferecer melhores condições de
sobrevivência.
“A vida da cidade atrai e
fixa porque oferece melhores oportunidades e acena um futuro de progresso
individual, mas, também, porque é considerada uma forma superior de existência.
A vida do campo, ao contrário, repele e expulsa.” [Diante desse processo,
observa-se o quanto essas transformações interferiram no modo de vida dos
brasileiros. Como bem ressalta os autores], “todas essas variações do consumo
apontavam para os movimentos da sociedade.” (MELLO; NOVAIS, 2000, p. 574)
E é partir de tais
transformações que o sistema capitalista tem se apresentado como alternativa e
como ditador de padrões a serem seguidos não importa aonde, já que a essência
deste permanece imutável.
Mello; Novais (2000, p.
600-601) destaca que
[...] olhando
a sociedade em seu conjunto há todos os tipos de famílias: trabalhador comum,
migrante rural recém-chegado, citadinos pobres, trabalhador especializado, da
classe média, alta e baixa, dos magnatas [...] uns moram em barracos mais ou
menos precários nas favelas, nas periferias, sem esgoto, água encanada e
espremidas, [...] outras nos bairros operários mais antigos [...] nos bairros
de classe média, em sobradinhos paredes-meia [...] poucas nos bairros ricos,
cheio de palacetes ou de apartamentos imensos [...] uns pagam aluguel, outros
constroem e outros vão para a favela.
Assiste-se nesse processo, o empobrecimento em camadas da população menos
favorecidas e/ou classe trabalhadora, consistindo no agrupamento de “novos
grupos sociais à condição de pobreza ou extrema pobreza”. Onde a pauperização
alastra-se de forma considerável entre as diferentes camadas sociais, ver-se-ia
hoje que a pobreza extrema é cada vez mais intensificada, esta é consequência
direta desse sistema de mundialização do capital.
É inegável
que dentre a série de fatores resultantes desse processo tem se vivenciado o agravamento
da questão social. O contexto social em que esta é produzida, no desemprego e
no subemprego, traduz a sua mais límpida expressão do que Engels; Mello e
Novais tratam em seus textos.
É possível
compreender que o progresso capitalista e a organização social,
retratada pelos autores acima, carregam consigo “relações sociais complexas e
contraditórias”, onde na visão de Netto (1996), estas
questões são resultado das contradições trazidas pelo desenvolvimento
capitalista, onde atinge tanto a esfera econômica quanto a social.
Diante disso, percebe-se
que o homem ao construir as bases necessárias para expansão desse modelo
social, se transforma num produto dessa realidade que se encontra em movimento,
os relatos de Engels em (1845) e os de Mello e Novais em (2000) referem-se de certa
maneira a uma mesma categoria de acontecimentos, por mais que sejam tempos
diferentes, a natureza desses eventos acaba sendo a mesma, ou seja, o modo de
produção capitalista e suas barbáries.
Como assinala Mello e
Novais (2000, p. 581-582)
O capitalismo cria a
ilusão de que as oportunidades são iguais para todos, a ilusão de que triunfam
os melhores, os mais trabalhadores, os mais diligentes, os mais
"econômicos". Mas, com a mercantilização da sociedade, cada um vale o
que o mercado diz que vale. Não há nenhuma consideração pelas virtudes, que não
sejam as "virtudes" exigidas pela concorrência: a ambição pela
riqueza e a capacidade de transformar tudo, homens e coisas, em objeto do
cálculo em proveito próprio. No entanto, a situação de partida é sempre
desigual, porque o próprio capitalismo, a própria concorrência,entre empresas e
entre homens, recria permanentemente assimetrias; entre os homens e as
empresas.
Nesse sentido, Engels, Mello
e Novais, ao refletirem sobre as diferenças sociais como sendo resultado da
barbarização causada pela expansão capitalista contribuem para que se possa
pensar e analisar os acontecimentos sociais na sua totalidade, isto é, como
sendo acontecimentos históricos, determinados pelas ações do homem,
acontecimentos que dada sua natureza passa por constante processo de
transformações, apesar de manter sua essencialidade.
Assim, compreender tais acontecimentos/transformações
sociais exige do pesquisador ou cientista social, uma visão crítica, o
aguçamento pela compreensão do mundo e de suas metamorfoses, deve ter sempre
como parâmetros, a construção de um olhar crítico, um olhar que rompa a
imediaticidade dos fatos, que apreenda os acontecimentos não em suas
particularidades, mas sim, como resultado de processos históricos e que se metamorfoseiam
no decorrer do tempo, sendo essa as construções apresentadas pelos referidos
autores.
Nesse sentido, como bem ressalta Cohen (1976, p. 17)
a palavra teoria é como um cheque em
branco; seu valor potencial depende daquele que a utiliza e do uso que dela
faz. [...][e vai além ao afirmar que] as teorias certamente não teriam valor se
não fossem além dos fatos. Os fatos nada mais são do que afirmações que
acreditamos serem verdadeiras sobre determinados acontecimentos que ocorrem. As
teorias não devem referir-se a acontecimentos determinados, mas sim, a
categorias inteiras de acontecimentos.
Partindo desse pressuposto, pode-se apreender que a
afirmação de Cohen, vai ao encontro do que fizeram Engels, Novais e Mello, ao
analisarem as realidades e os acontecimentos sociais em suas realidades - Engels,
como já referido na Inglaterra, país berço da Revolução Industrial Mello e
Novais a realidade brasileira a partir de 1945 ao momento atual.
Desse modo, Cohen (1976, p. 18) destaca que
se as teorias vão além dos fatos,
possuirão elas uma ligação com a realidade? Na verdade, não fosse pelas
teorias, não possuiríamos experiência da realidade digna de registro ou que
pudéssemos registrar. As teorias mais elementares, que empregamos
inconscientemente, são aquelas que se acham engastadas em nossa linguagem,
porque toda língua tem de empregar certas categorias universais e utilizar uma
categoria universal é, na realidade, utilizar uma teoria. Se eu digo ‘esta
máquina de escrever é pesada’, estou presumindo certas características
universais associadas ao peso, em oposição à leveza. Sem categorias universais
não pode haver comunicação e sem comunicação não pode haver cultura, sociedade,
ciência, tecnologia ou experiência partilhada do mundo da realidade.
Tomando como base a citação acima, pode-se compreender
que tanto Engels como Novais e Mello, tomaram como categoria universal em suas
análises o modo de produção capitalista, sua natureza, o modo como se constitui,
suas formas de exploração e exclusão. Sendo esses os elementos norteadores de ambas
as análises, em outros termos, os impactos sociais gerados a partir do processo
de expansão do sistema capitalista.
A partir disso, cabe sinalizar que sem fazer uso das
teorias não seria possível compreender os acontecimentos sociais em sua
totalidade, como acontecimento social, histórico, produto da ação humana,
assim, as teorias servem de suporte no que diz respeito às análises e leituras
de determinada realidade.
Desta maneira, vale destacar a importância do uso das
teorias no diz respeito a compreensão da sociedade e seus acontecimentos, pois possibilita
a apreensão de uma série de elementos e transformações que fogem ao tempo
presente, como, por exemplo, os acontecimentos retratados por Engels em (1845)
mas que, entretanto se fazem contemporâneas quando lidos e compreendidos como “categorias
inteiras de acontecimentos.”
E isso é possibilitado por intermédio das teorias, em
outras palavras, são as teorias que possibilitam a compreensão dessas
transformações como parte de todo um processo que é histórico e social e que
por ser mutável, transforma-se sem perder sua essencialidade, todo esse
entendimento não seria possível sem o arcabouço teórico possibilitado pelas
teorias.
Cohen (1976, p. 19), afirma que
uma teoria científica é, idealmente uma
afirmação universal e empírica, que expressa uma conexão causal entre os dois
ou mais tipos de acontecimentos. Em sua maneira mais simples, ela se apresenta
sob a forma ‘sempre que X ocorre, Y também ocorre’. Uma teoria científica é
universal porque ela afirma algo a respeito das condições nas quais algum
acontecimento ou tipo de acontecimento sempre ocorre.
A afirmação de Cohen dialoga com as análises realizadas
por Engels, Mello e Novais sobre o sistema capitalista e suas consequências, no
sentido de que, enquanto existir modo de produção capitalista, vai haver
condições favoráveis para a ocorrência de exploração, subordinação e dominação
do operariado, como dizia Engels ou da classe trabalhadora como ressaltava Mello
e Novais. Isso porque a condicionalidade da exploração e subordinação se dá
pela materialização da sociedade capitalista através da divisão de classes.
Neste sentido, Cohen (1976, p. 20) afirma que, “uma
teoria científica deve ser casual. Significa que deve afirmar que algumas
condições são suficientes para a ocorrência de certos tipos de acontecimentos
ou que algumas condições são necessárias para essa mesma ocorrência.”
Essa afirmação também encontra-se em consonância com as
análises produzidas por Engels, Mello e Novais, pois ao construir suas análises
os mesmos basearam-se em acontecimentos que estavam sendo vivenciados cada qual
em seu tempo, além disso, porque havia toda uma estrutura social que
condicionava e dava possibilidade para sua materialização. Sendo seu principal
elemento o modo de produção capitalista. Sendo assim, “a teoria parece ser
valiosa porque diz algo a respeito dos processos de mudança em todas as
sociedades [...].” (COHEN, 1976, p. 25)
Ainda de acordo com Cohen (1976)
as
ciências sociais – pela participação da vida social, o homem têm uma
possibilidade muito maior de compreender certos aspectos de sua realidade
fundamental do que o têm por sua participação no mundo natural. [...] o fato de
serem tanto sujeitos quanto objetos sociais fornece-lhes uma oportunidade de
alcançar uma ideia da natureza das relações sociais e dos contextos mais amplos
destas últimas, porque a realidade social não possui mecanismos que se
encontrem necessariamente ocultos da observação de todos aqueles que dela
participam. [além disso], participando da vida social, os homens são
incentivados a formar certas ideias a respeito daquela realidade [...] os
homens, em sua maior parte, não criam o mundo natural ou seus mecanismos, mas
criam o seu mundo social, mesmo que, na maioria, assim procedam sem dar-se
conta disso. [Por fim, Cohen, destaca que] à natureza da própria realidade
social. Embora os homens possam ter razão em presumir que a natureza da
realidade física é independente de suas ideias a respeito dela, estarão errados
se presumirem outro tanto da realidade social [...] parte da realidade social é
o conjunto de ideias que os homens possuem dentro dela. (p. 27-28)
As reflexões construídas por Engels (1845); Mello e
Novais (2000) retratam exatamente o que Cohen ressalta ao falar das Ciências
Sociais, de que a participação do homem na vida social, possibilita que este
compreenda a sua realidade de forma mais clara, isso porque se trata de um
ambiente que está sendo vivenciado, apesar de se tratar de tempos históricos diferente,
como já mencionado, os autores tomaram como referência o modo de produção
capitalista, e isso é o elemento fundamental que torna ambas as análises
atuais.
Isso porque, o modo de produção capitalista
materializa-se no contexto atual, a partir das múltiplas formas de exclusão,
dominação, exploração, as desigualdades sociais retratadas por Engels em (1845)
e que são vivenciadas nesse tempo por grande parcela da população, uns sofrem
de mazelas mais intensas outros, mais amenizadas, entretanto não se escapa
ileso desse processo de exclusão que é fruto dessa estrutura social vigente.
De acordo com Santos (1995, p. 22),
o exercício das nossas perplexidades é
fundamental para identificar os desafios a que merece a pena responder. Afinal
todas as perplexidades e desafios resumem-se num só: em condições de aceleração
da história como as que hoje vivemos é possível pôr a realidade no seu lugar
sem correr o risco de criar conceitos e teorias fora do lugar?
Assim, como bem ressalta Santos, a grande questão
colocada na atualidade é fazer o uso das teorias no sentido de compreender
nossas perplexidades frente a realidade social, para ele, a “aceleração da
história” nos impõe como desafio fazer o uso correto das teorias no sentido de
que estas possam possibilitar
realizar a real leitura da realidade e dos seus processos de mutabilidade. Sem
correr o risco de “criar conceitos e teorias fora do lugar”, isto é, de criar
os conceitos e teorias que não correspondam de fato aos acontecimentos
produzidos cotidianamente.
Ainda de acordo com Cohen, (1976, p. 29), o mundo social
deve ser concebido e entendido tendo por base o tecido social como parte
constituinte de um todo, assim, ao seu modo de refletir, esse mundo se forma
por meios das “entidades sociais (sociedades, organizações, famílias, mercados,
Estados, economias)”, essas entidades não podem ser apreendidas em sua essência
se analisadas de forma isoladas. Ainda como bem o coloca, “essas entidades são
estruturas de relações entre elementos, mas muitas das características desses
elementos são inconcebíveis separadamente de sua participação no todo.”
A partir da citação acima, entende-se que o cientista ou
pesquisador social ao analisar os acontecimentos e as transformações sociais em
curso, deve manter o compromisso de compreender essas entidades como uma
estrutura que se encontra amalgamada a uma teia social.
As teorias, como bem mencionadas por Cohen são como
“cheques em branco” e que seu significado vai depender do que fazemos com elas
e para que as usamos, essa é uma ótima colocação no sentido de se pensar o
papel do cientista social ou pesquisador ao tentar desvendar determinada
realidade. Assim, as teorias da qual se faz uso e a forma como se faz, vai
determinar que tipo de análise ou trabalho um cientista ou pesquisador social
pretende realizar, além de revelar a relevância do que está sendo construído.
As teorias sociais possuem um papel de grande
importância, é nelas que se busca o aporte que irá dar base de realização de
leitura e desvelamento de uma dada realidade, é também por meio das teorias que
um pesquisador irá embasar suas análises. Se assim não o fosse, seria
impossível ter as concepções e construções teóricas acerca do processo de
expansão da sociedade capitalista, por exemplo, Marx, Engels, entre outros
autores, ao desenvolverem suas teorias no que concerne o estudo do modo de
produção do capital, deixou para os pesquisadores futuros grandes obras, que
são na atualidade consideradas clássicas, isso porque tratam de assuntos que
apesar do tempo, guarda em sua essência o verdadeiro significado do que foi e
do que é o modo de produção capitalista.
Partindo dessa perspectiva, pode-se compreender o quão
importante são as análises apresentadas pelos autores aqui tratados, Engels
(1645), trouxe em riquíssimos detalhes uma análise referente à “situação da
classe trabalhadora na Inglaterra.” Nessa análise ele ressalta com toda
propriedade os horrores vivenciados pelos operários, naquele período – primeira
Revolução Industrial. Mello e Novais (2000) por sua vez, apesar das diferenças
de temporalidades retratam em sua análise o que denomina de “capitalismo tardio
e sociabilidade moderna”, onde relata os processos de mudanças vivenciados pelo
povo brasileiro a partir de 1945 até os dias atuais.
Cabe destacar que em ambas as análises a base de
construção dos estudos se deram a partir da sociedade capitalista em seu
processo de mutação, mas especificamente dos antagonismos sociais resultantes
do seu processo de expansão.
Desse modo, compreender os elementos trazidos pelos
autores suprarreferidos, requer dos pesquisadores e cientistas sociais que
façam uso das teorias no sentido de que elas possam possibilitar a compreensão
dos acontecimentos em sua totalidade, não devendo assim, se prender a fatos
isolados e sim, como bem afirma Cohen, as teorias devem referir-se a
“categorias inteiras de acontecimentos.”
Neste sentido a afirmação de Cohen vai ao encontro do
que fizeram tanto Engels como Mello e Novais, os autores retrataram
acontecimentos sociais tendo como base de análise a sociedade capitalista e sua
mutabilidade, destacaram as consequências do processo de industrialização e as
mudanças sociais advindas a partir desta. Fizeram menção em suas análises a
“categorias inteiras de acontecimentos” - que se encontram amalgamadas numa
totalidade social, cujo ponto de apoio é o modo de produção capitalista.
Diante disso, o trabalho dos autores evidencia a
importância de se buscar a essencialidade dos acontecimentos, isto é, faz-se
necessário buscar a base geradora das desigualdades nesta sociedade, sendo
estes elementos os pilares para construção de uma análise crítica reflexiva que
tenha como cerne a estrutura social em sua totalidade.
Referência Bibliográfica
ENGELS,
Friedrich. A Situação da Classe
trabalhadora na Inglaterra. São Paulo, Boitempo Editorial, 2003, original
de 1845.
COHEN, Percys. A Natureza da Teoria Sociológica. In COHEN, Percys. Teoria Social
Moderna. Ed. Zahar Editores, Rio de Janeiro, 1976.
GIDDENS, Anthony. Política
Social e Teoria Social. Ed. Unesp, São Paulo, 1998.
MELLO, João
Manuel Cardoso; NOVAIS, Fernando A., Capitalismo
Tardio e Sociabilidade Moderna. In,
NOVAIS, Fernando A., História da Vida Privada no Brasil. Ed. Cias das Letras,
São Paulo, 2000.
SANTOS,
Boaventura de Sousa. Cinco Desafios à
Imaginação Sociológica. In
SANTOS, Boaventura de Sousa. Pela Mão de Alice. Ed. Cortez, São Paulo, 1995.
domingo, 9 de novembro de 2014
Palestra com a professora Marilda Villela Iamamoto
Acessibilidade
A acessibilidade de todos é direito que deve ser garantido pelo Estado e pela sociedade.
O respeito ao outro é a base fundamental desse processo.
sexta-feira, 19 de setembro de 2014
Tempos Atuais
Estamos vivenciando tempos de reafirmação da falsa democracia, a democracia fajuta, que ilude e que cria as estratégias necessárias para dominação do povo. Dominação essa consolidada pela ilusão de que estamos participando e tendo voz ativa nos processos de tomadas de decisões.
Mirian de Freitas
Mirian de Freitas
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