Universidade Estadual do Norte Fluminense
Darcy Ribeiro
Disciplina: Teoria Social
Docente: Geraldo Marcio Timoteo
Discente: Mirian de Freitas da Silva
Para Kenneth (1980), a ideia de progresso “por motivos históricos” vai
está intimamente vinculada a “há uma ampla e complexa variedade de ideias sobre
mudança social e cultural.” Segundo ele, o interesse no sentido de diferenciar
“o progresso, desenvolvimento e evolução são interessantes em teoria”,
entretanto ressalta que essa distinção não foi realizada “no curso geral da
indagação humanista, e muita confusão resultou da suposição de que o tivesse
sido.” Para ele, essa confusão se dá principalmente ao se discutir “a relação
entre evolução social e a orgânica é discutida. Uma dificuldade semelhante é
encontrada quando a hipótese do desenvolvimento da biologia do século XIX é
confundida com as noções contemporâneas de desenvolvimento social, bem como com
algumas tentativas atuais de explicar as mudanças que ocorrem nos países
subdesenvolvidos.” Diante disso, este texto tem como propósito de trazer para o
debate a “ideia de progresso [...] para indicar uma orientação teórica geral e
definida na análise sociológica.” (p. 65)
Segundo Kenneth (1980) afirma que, “em nossa luta com a história da
teoria sociológica, encontramos freqüentemente a expressão ou apresentação de
uma ideia que acaba sendo muito mais complicada do que a própria ideia. Excesso
de palavras, repetições cansativas e variações intermináveis sobre um tema
[...]. Assim, com freqüência nos vemos envolvidos na tarefa pouco compensatória
e desanimadora de romper os véus da verbarrogia para revelar banalidades.” (p.
65-66)
Nesse sentido, ao tratar “a ideia de progresso, estamos exatamente na
situação oposta: temos aqui uma noção aparentemente simples e direta, que num
exame mais detalhado, nos envolve em alguns dos mais complicados problemas do
moderno pensamento social do Ocidente.” Bury “em sua história ainda clássica da
ideia, definiu-a economicamente como crença de que a ‘civilização moveu-se,
está se movendo e se moverá numa direção desejada’.” Assim, para Kenneth, o que
poderia ser pensado como uma prospecção positiva acerca do futuro da
humanidade, tornou-se “uma teia complexa e sutil de ideias com consequências
metodológicas e substantivas de alcance maior para a ciência e a filosofia
socais.” (p. 66)
Ao observar o progresso o professor Bierstedt não o pensa como sendo um
problema somente a ser compreendido pela sociologia, além disso, destaca “que a
ideia de progresso dificilmente será mesmo uma ideia”, sendo “a fé no
progresso”, muito “mais uma questão de otimismo do que de fato ou verdade.
Certamente não se está referindo à mesma ideia de que intrigou Bury. Nem
poderia, Teggart ter em mente um otimismo vago, ao dizer que ‘as dificuldades
que o humanista tem de enfrentar no momento presente surgem da aceitação da
ideia de progresso como conceito orientador no estudo do homem. ” (p. 66)
De acordo com Kenneth (1980), a ideia de progresso quando entendido além
de um simples conceito normativo, tem se apresentado como fulcral no que diz
respeito a formulação da sociologia como disciplina, além de continuar a moldar
“profundamente as questões e perspectivas dessa ciência, e de ciências sociais
e culturais correlatas.” (p. 66)
Doravante, Kenneth destaca que a dificuldade em compreender o termo
progresso vai está intrinsecamente amalgamada a sua amplitude, sendo usado para
“referir-se a toda uma galáxia de ideias” nem sempre coesas.
Assim, Kenneth ressalta que entre os diferentes pensadores “as causas do
progresso, suas manifestações sucessivas e seus objetivos finais” irá receber
variadas especificações.
Destaque para diferentes formas de retratação do progresso, que vai desde
a “imagística simplesmente idílica e das declarações vazias de fé até a
construção de sequências detalhadas e intrincadas, baseadas em tipos escolhidos
da História, Arqueologia e Etnografia e reunidas por complicadas leis de
mudança”, esses elementos forma o que Kenneth denomina de ideia de progresso.
Assim, para entender o “papel desempenhado pelas teorias do progresso na teoria
da análise sociológica”, faz-se preciso buscar a compreensão desses elementos. Segundo
Kenneth, “uma dificuldade óbvia para a detecção de implicações mais
fundamentais da ideia de progresso é o fato de ser ela habitualmente
considerada como, acima de tudo, um juízo de valor sobre a história. A palavra
progresso encerra principalmente conotações normativas para a maioria de nós, e
os mais notáveis esforços para acompanhar a história da ideia foram marcados
pela preocupação em distingui-la das crenças sobre a decadência ou regressão,
ou sobre ciclos.” (p. 67)
Kenneth (1980) toma como referência intelectual a tradição “expressa nos
séculos XVII e XVIII num contexto de afirmações entusiásticas de melhoria
inevitável numa ou noutra faceta da vida humana.” (p. 67)
Alguns estudiosos merecem destaque no que concerne o estudo sobre a ideia
de progresso, são eles: Aristóteles e Agostinho, em Fontenelle e Saint-Pierre,
em Condorcet e Comte, em Spencer e Tylor, onde “encerra uma imagem detalhada e
abrangente de mudança. Envolve orientações específicas da história como
registro de acontecimentos. Indica uma interpretação definida e singular das
diferenças sociais e culturais e designa um uso de diferenças na construção de
teorias de mudança social e cultural.” (p. 67)
Para Bury, o progresso é compreendido “como um produto rigorosamente
moderno que surgiu no século XVII e atingiu sua expressão plena no século XVIII.
Contrastou-a com a ideia de ciclos característica da antiguidade grego-romana e
com a ideia medieval européia da Providência.” (p. 68)
Bury critica ambas as perspectivas, tanto a ideia de ciclos quanto a
ideia cristã de providência, para ele a ideia de ciclos de que a história é uma
repetição sucessiva de fatos, “afasta de forma absoluta uma fé numa melhoria
indefinida da vida humana e constituía empecilho a qualquer visão histórica
dotada de significação, inclusive a ideia de progresso.” Já a visão
providencial era para ele limitada a um marco temporal, que a seu ver era
curto, “no fim do qual o drama é completado e a cena do progresso mundial é
destruída [...] também afirmava que a ideia de providência, na medida em que
prevê o progresso, não considera como melhoria dos assuntos temporais, mas
apenas como uma compreensão de Deus, ou uma realização do estado de graça.” (p.
68)
Todavia, ambos os aspectos apresentados por Bury foram contestado, “os
socráticos [...] viram certo progresso no passado, e que a preocupação óbvia
tanto dos gregos como dos romanos com a melhoria de sua condição presente – a
administração do corpo político – só podia depender da fé pelo menos na
possibilidade de um futuro melhor.” (p. 69)
De acordo com Kenneth, tanto os Gregos quanto os primitivos Padres da
igreja tinham formuladas suas ideias acerca do processo de mudança. “Essas
ideias persistem na tradição intelectual ocidental e são básicas para a moderna
ideia de progresso.” (p. 69)
Para Kenneth, “Aristóteles é o caso mais significativo. Na física, ele
tomou a natureza como seu objeto de estudo, e seu primeiro passo foi defini-la
como o princípio de movimento e mudança [...] a natureza, portanto, é a mudança
ordenada.” (p. 70)
Assim, “o natural para Aristóteles, não é apenas uma média a que possamos
chegar observando e contando: é definido pela regularidade da ocorrência [...]
quando a mudança ocorre de qualquer outra maneira, não é da natureza. E isso
tem importância crucial, que Aristóteles observou que as ocorrências ocasionais
não podem ser estudadas pela ciência. O mundo da experiência humana, em
particular, é composto de acontecimentos incompreensíveis a crenças.” (p. 70-71)
Nesse sentido, a natureza é apresentada por Aristóteles “como princípio
de desenvolvimento ordenado para a realização de determinados fins. [...] a
mudança se processa dentro de uma estrutura estática de espécies ou gêneros que
encerra um potencial de toda uma série de ordens, que são eternas em si
mesmas.” (p. 71)
“O processo natural de mudança social que sua ciência descobriu,
portanto, era uma afirmação daquilo que ele considerava o melhor para os homens
e sua experiência histórica. [Para Kenneth], não é difícil ler uma doutrina do
progresso como um aperfeiçoamento dessa tese.” (p. 72)
Segundo Kenneth, “à parte as questões da melhoria com o tempo, o que
encontramos no pensamento grego exemplificado por Aristóteles é um protótipo
claro e detalhado da teoria do progresso da Europa Ocidental do século XVIII, e
que nos será útil para identificar as características destacadas dessa teoria e
acompanhar suas ramificações na teoria social contemporânea.” (p. 73)
Cabe ressaltar que Tucídides, “não falava apenas do progresso da cultura
para procurar demonstrar esse progresso através de recursos que só eram
permissíveis à base de proposições sobre a mudança natural, como as encontradas
na teoria de Aristóteles. [Tucídides] utiliza as ideias de que existe na
natureza algo como sociedade ou cultura, que sofre um crescimento idêntico onde
quer que se encontre, porque o mesmo potencial existe em todos os seus
exemplos; de que obstáculos, impedimentos ou interferências alteram o processo
natural em vários lugares, de modo que vemos povos em várias fases ‘do
crescimento nacional’. O panorama do progresso é, assim, estendido à nossa
frente no presente.” (p. 74)
Kenneth ressalta que dentre “os autores cristãos antigos, Santo Agostinho
é o que oferece um exemplo mais da utilização de ideias gregas para a
construção de uma Filosofia da História”, servindo de modelo aos teóricos do
progresso no século XVIII.
“Agostinho conservou [...] a visão aristotélica de que a realidade a ser
estudada é uma mudança ordenada e propositada, que se processa gradual e
continuamente, através de uma série de passos ou fases, até chegar a um fim que
era imanente no início ou origem.” (p. 74)
Segundo Kenneth (1980, p. 75), “a moderna teoria do progresso tomou forma
na Querela
entre os antigos e os modernos, ou pelo menos é conveniente,
retrospectivamente, situar naquele contexto a confluência de ideias que se
aproximam, em última análise, na obra de Turgot e Condorcet. O objeto da
Querela era como as obras artísticas, filosóficas e científicas da Europa
moderna se comparavam com as obras dos gregos e romanos da Antiguidade. [...] a
parte da Querela relevante para nosso interesse aqui se situa na segunda metade
do século XVII. Como debate puramente literário, a Querela foi a princípio
marcada pela expressão de simples opiniões sobre os méritos relativos do antigo
e do novo, mas os modernos procuraram mostrar logo que não só as produções mais
recentes eram superiores às mais antigas, mas também que deveriam ser.” (p. 75)
“’Sobre os antigos e os modernos’
(1968), de Fontenelle, resumiu a tese do progresso. Sua argumentação se baseia
na constância e uniformidade dos poderes da natureza. Eram maiores as árvores
nos tempos antigos? Se não, também não deveremos supor que Homero e Platão eram
superiores aos homens do século XVII. (Toda natureza é a mesma; há níveis
correspondentes na natureza.) [...] Fontenelle antecipou as teorias do
progresso orgânico do homem, o homem se tornará dotado de poderes intelectuais
cada vez maiores.” (p. 76)
Segundo Fontenelle, “é possível [...] simplesmente considerando a
natureza humana, conjeturar toda a história, passada, presente e futura. A
natureza humana consiste em certas qualidades, e estas resultam em certos fatos
ou acontecimentos. Estudando a história dessa maneira, chegamos à fonte básica
das coisas. [...] os acontecimentos e o acaso por vezes contribuem para a
sucessão ordenada de mudanças que foram a substância da história humana, mas
devemos atentar principalmente para os costumes e os usos dos homens, que
resultam da mente e das paixões humanas. Não é nos próprios fatos que os
devemos apoiar, mas no ‘espírito’ dos fatos. É essa a reação cartesiana final à
pobre ciência conjetural da história. [Assim de acordo com], as opiniões de Fontenelle
[...] dada uma condição de conhecimento na Grécia e Roma Antiga e uma condição
de conhecimento na Europa do século XVII, a questão de qual era superior é
transformada numa questão de como a última se desenvolveu da primeira, de
acordo com leis de mudança que garantiam a superioridade do produto. Não era
apenas uma questão de melhoria das coisas através do tempo; mais
fundamentalmente, era um caso de uma entidade que tinha uma carreira no tempo,
que havia desdobrado um certo potencial e se realizado no tempo.” (p. 77)
“A mente humana, então, é apresentada pelos modernos como tendo mudado no
tempo, e a mudança é representada como crescimento: é lenta e gradual e marcada
por estágios ou fases, e não por acontecimentos. Os acontecimentos são apenas
manifestações do processo de crescimento. A mudança é considerada como um
desenvolvimento no sentido preciso de um desdobramento, ou de um vir-a-ser
daquilo que é potencial na coisa que se modifica. A mudança é imanente.” (p.78)
Segundo Kenneth, “o terrível espetáculo do declínio medieval que se
seguiu à grandeza do mundo greco-romano questionava qualquer argumento de
progresso. [...] como explicar esses fenômenos se um princípio imanente de
progresso estava em operação, se Deus havia colocado na natureza leis que
funcionavam de maneira constante e uniforme para realizar todo o potencial da
mente humana? Fontenelle formulou essa questão em sua forma ampla, perguntando
como explicar as diferentes condições da vida humana. Se os poderes da natureza
são constantes, então os exemplos de uma coisa por ela produzida deveriam ser
os mesmos em toda parte e em todas as épocas. Mas as pessoas não são as mesmas
em todos os tempos e todos os lugares.” (p. 78)
Porém, Kenneth (1980) critica essa ideia desenvolvida por Fontenelle,
para Kenneth mesmo que estivéssemos falando da mente humana ou de alguma coisa
que surge num determinado tempo, deve-se “esperar que surja em diferentes
formas a diferentes épocas, ainda é preciso saber por que todos os povos, num
determinado momento, não apresentam o mesmo aspecto. [...], portanto,
Fontenelle e os modernos [...] ao estabelecerem esse ponto, desenvolveram uma
teoria sobre o progresso humano, evidenciada pelo desenvolvimento mental,
segundo a qual em qualquer relação temporal de dois ramos da raça humana a mais
recente no tempo devia ter progredido, no desenvolvimento mental, além da raça
mais antiga no tempo. E como acréscimo à teoria diziam que, quando esse
progresso não ocorria, ou quando era retardado, ou quando havia um retrocesso real,
isso ocorria devido a circunstâncias especiais que constituíam obstáculos ou
impedimentos ao processo.” (p. 78-79)
“A ideia de progresso formulada durante a Querela era uma concepção da
maneira pela qual o conhecimento havia crescido, e não do avanço da sociedade.
Os modernos buscaram uma reforma no conhecimento e nos métodos de indagação,
não uma reforma da sociedade. Mas as consequências do envolvimento da mente
humana para a vida social e cultural foram, dentro em pouco, objeto de
especulação. Francis Bacon havia afirmado antes que o conhecimento era útil,
aqui nesta vida, e que conhecendo a natureza poderíamos imitá-la e controlá-la
em nosso benefício. [Essa ideia foi aprofundada no início do século XIX por
Saint-Pierre, que afirmava], a razão humana [...] poderia refazer o
conhecimento e, com isso, as condições de vida. [...] Saint-Pierre, via uma
melhoria total na vida humana quando os soberanos fossem convencidos a seguir
os ditames da razão [...] e a humanidade havia aprendido a evitar obstáculos ao
progresso como às guerras e os maus governantes.” [para ele a humanidade era
concebida como uma entidade que, assim como um organismo individual , caminha
para a perfeição, entretanto, diferentemente de outros organismos, nunca morre.
(p. 79-80)
Kenneth destaca que “uma das primeiras exposições sistemáticas dessa
orientação das diferenças culturais foi feita por Turgot [...]. A teoria do
progresso de Turgot incluía a importante e influente ideia de que todas as
instituições, todas as partes da cultura, avançam lado a lado, artes,
conhecimento e instituições políticas, todas mudam ao mesmo tempo e estão
ligadas de tal modo que, quando uma muda, todas mudam, e de acordo com o mesmo
princípio. [...]. [De acordo com Kenneth], embora seu trabalho sobre a história
universal não passasse de um esboço e os detalhes não tivessem sido
desenvolvidos, Turgot buscou a causa básica do movimento e do progresso na
própria natureza humana. Esta é constituída tanto da razão como das paixões, de
modo que o triunfo da razão, e o resultante crescimento do conhecimento, não
seguem o caminho simples sugerido pelo argumento dos modernos. [...] A
continuidade, para Turgot, é uma marca da história; o passado era necessário ao
estado atual do desenvolvimento. [...] todas as nuanças de selvajeria e
civilização são, na verdade, observáveis no presente, e, nos retratam todos os
passos dados pela mente humana – ‘a história de todas as eras’. As diferenças
atuais entre as culturas devem ser consideradas, então, como diferenças de
grau, não de espécie.” (p. 81-82)
Segundo Kenneth, assim, como Turgot, “a apresentação clássica que
Condorcet fez da teoria do progresso em fins do século XVIII também se ocupa
nominalmente do desenvolvimento da mente, mas é, na realidade, uma explicação
da mudança social ou cultural, agora com atenção consciente para o detalhe
substantivo e metodológico. Ele foi específico sobre o conteúdo do progresso: a
razão chegaria a dominar as paixões, a sociedade seria então reorganizada para
o crescimento continuado em bases racionais, e o resultado seria a igualdade –
igualdade de realização entre as nações; igualdade de riqueza, educação e
situação social entre todos os homens – e liberdade como consequência.” (p.
82-83)
Condorcet observou assim que a estagnação, fixadez e estabilidade são,
com frequência, estados sociais característicos e que as pessoas habitualmente
se opõem a mudança de seus modos. [Ele] “atribuiu essa falta de progresso no
homem a fatores como hábito, tradição, aversão natural ao novo, indolência e superstição.
[Assim, para Kenneth], ao estabelecer as fases do curso de constante do
progresso, Condorcet tinha perfeita consciência de que o processo histórico
real havia sido pontilhado e afetado por grandes acontecimentos como guerras,
migrações e conquistas, mas a isso chamamos de acasos dos acontecimentos
[...].” (p.84)
Kenneth realça que “enquanto Turgot e Condorcet podem ser considerados
como exemplos da teoria do progresso no Iluminismo francês, não é fácil
encontrar figuras equivalentes para o Iluminismo alemão. [...] Frank E. Manuel
deixou claro, os progressistas alemães estavam interessados na questão do
aperfeiçoamento moral, e essa preocupação fazia da construção rudimentar e
fácil das fases do progresso científico ou material uma empresa irrelevante.
[Ainda a esse respeito, Kenneth destaca que] assim, em esboços de uma Filosofia
da história do Homem, de Herder, a entidade que se desenvolve ou realiza no
tempo é a ‘humanidade’, uma qualidade definida de forma bastante vaga, que só
tomou corpo em contraste com a barbárie presente. No tratamento de Herder, não
só a questão do progresso está envolta em pesadas conotações religiosas, mas
também o lócus e o ritmo do próprio processo não têm a simplicidade e clareza
do esquema de Condorcet.” (p. 85)
Com relação a isso, Kenneth destaca que “Kant não oferece esse tipo de
dificuldades, mas sua teoria do progresso não é a que predominava no século
XVIII. [...] Kant é bastante claro quanto aos seus propósitos: construir uma
Filosofia do Homem que apresente um quadro do que poderia ter ocorrido no
passado e poderá continuar ocorrendo no futuro e o que é moralmente aceitável
para um homem ativo com um senso inato do dever.” (p. 86)
Além disso, Kenneth ressalta outras concepções acerca da ideia de
progresso, como, por exemplo, “[...] Frederick J. Teggart encontrou em David
Hume o que equivale a uma antítese da ideia de progresso – uma negação da
naturalidade da mudança social ou cultural, uma negação de sua continuidade
tanto no tempo como no espaço, e com isso uma negação de sua imanência. Hume
postulou, em lugar disso, uma inércia geral, ou estabilidade, como
característica da condução humana e a considerou sujeita a modificações comuns
bastante graduais e a infreqüentes mudanças resultantes de interrupções nas ordens
estabelecidas [...]. [para Kenneth] os equívocos dos escoceses podem ser
explicados, em parte, pela sua abordagem caracteristicamente indutiva e
empírica do problema do progresso. [Entretanto, vale destacar que segundo
Kenneth] há uma coisa de Rousseau na maioria dos teóricos do progresso. Eles
estavam profundamente descontentes com suas próprias sociedades, e mostravam os
males passados, mesmo quando reconheciam o passado como um passo necessário
para um futuro melhor.” (p.87)
“Em seu Essay on the history of civil society, Ferguson tinha evidente
consciência das exceções ao progresso na experiência humana [...] ele não
considerava o progresso como uma regra geral. [...] Mas o declínio, argumentava
ele, não é inevitável, e não ocorre ‘em consequência de qualquer desequilíbrio
incurável na natureza da humanidade, mas devido à negligência e à corrupção
voluntárias’. Pelo contrário, a natureza humana, como todas as ‘produções
naturais’, é progressista, tanto em suas atividades como em seus poderes. Não
só o indivíduo progride da infância para a maturidade, como a própria espécie
avança da barbárie para a civilização.” (p. 88)
“Para Ferguson, portanto, há em funcionamento um princípio que tende a
produzir o avanço, e era com o delineamento dessa tendência – a ‘história
natural’ da humanidade, ou da sociedade civil – que ele, como filósofo moral,
se preocupava.” (p.89)
“O objetivo de Ferguson, como ele disse, era descobrir ‘o que a mente
humana podia realizar’ e procurar isso na ‘história da humanidade’. Inspirou-se
em Tucídides que, apesar do preconceito de seu país contra o nome de bárbaro,
compreendeu que era nos costumes das nações bárbaras que podia estudar os
costumes mais antigos da Grécia.” (p.90)
Para Ferguson, “onde o progresso ocorreu, seguiu sempre o mesmo caminho,
pois o avanço social foi produto da natureza humana, manifestando-se em
circunstâncias favoráveis.” (p. 91)
Segundo Kenneth, “Comte, embora não questionasse a ideia de progresso,
apresentou-a e usou-a de maneira bastante aberta, completa e sistemática e
expôs suas suposições e implicações como poucos haviam feito antes. [...] Comte
afirmou claramente: ‘... o progresso da sociedade, dependendo da natureza
permanente da humanidade, deve em todas as épocas ser essencialmente o mesmo;
as diferenças consistem simplesmente em maior ou menor rapidez’. Foi, na
verdade, a identidade notável no desenvolvimento das diferentes nações que
testemunhou a forma de um princípio uniforme de progresso, derivado das leis
básicas da natureza humana.” (p.92 -93)
Para Comte, “as diferenças, portanto, representavam graus de
desenvolvimento ao longo de uma mesma linha – como se poderiam observar num
pasto diferenças entre cavalos de diversas idades. Dada uma interpretação
progressista, e não crítica, da história, porém, Comte, tinha de atribuir a
coexistência temporal das diferenças de cultura a acidentes.” (p. 94)
Kenneth ressalta que, apesar de Herbert Spencer seguir a hipótese
desenvolvimentista de Comte, aparece uma diferença de significância. “Para
Spencer, [...] a concepção de progresso se devia converter numa lei científica
[...] a natureza essencial do progresso ‘em si’ foi considerada por Spencer
como um desenvolvimento heterogêneo a partir do homogêneo, como um processo de
diferenciação. [...] todo movimento se faz do homogêneo para o heterogêneo, do
simples para o complexo, do não diferenciado em forma e função para o
diferenciado.” (p. 96)
De acordo Spencer, “o ambiente era diferente de lugar para lugar e que
tinha um efeito sobre a vida social, que o tamanho das sociedades era com
frequência alterado pela anexação ou perda de território, e que as misturas
raciais introduzidas pela conquista mudam o caráter médio das unidades das
sociedades. Émile Durkheim concordava com Spencer sobre esse ponto, observando
que as sociedades não diferem apenas em grau, mas também quanto ao tipo ou
espécie [...].” (p. 97)
“Para Spencer, as diferenças sociais
e culturais representaram várias etapas de evolução; os dados reunidos por seus
associados serviram para ‘ilustrar a evolução social sob seus vários aspectos’.
[...] Durkheim abordou o problema das diferenças culturais de uma perspectiva
mais ampla, identificando unidades sociais comparáveis que podiam ser vistas
como situadas em algum ponto entre as sociedades históricas singulares que
chamaram a atenção dos historiadores tradicionais e a humanidade ideal
singular, cuja carreira o filósofo da história procurou traçar. [Para Kenneth]
sua classificação ficou incompleta e nunca foi preenchida por povos reais.” (p.
98)
O ponto de discordância entre os
teóricos do progresso de fins do século XIX e princípios do século XX,
“relacionou-se com a questão da inevitabilidade do progresso e a necessidade
de, ou adequação da participação humana no processo. Os que simplesmente
reiteravam a doutrina do laissez-faire do século XIX passaram a ser
identificados como darwinistas sociais. Uma desenvolvida argumentação em favor
da intervenção ativa no progresso foi feita pelo sociólogo americano Lester F
Ward, que argumentou que a evolução tornou-se teleológica no nível da sociedade
humana e envolvia a proposição consciente e a escolha pelo homem.” (p. 100)
“Já se notou que os europeus, quando confrontados com um mundo povoado
por sociedades radicalmente diferentes, encerrando culturas pertubadoramente
diferente, negaram de forma característica a realidade básica dessas diferenças
e as interpretaram como representações de fases do desenvolvimento da sociedade
ou cultura como tal.” (p. 101)
Para Kenneth é uma tarefa difícil situar o trabalho/ ”obra de Karl Marx
na história da ideia de progresso. Como Karl Marx nos deu uma visão, se não uma
profecia, de uma sociedade melhor, embora essa visão não seja detalhada, é
fácil ver no marxismo, como fez Ginsberg, uma materialização moderna da fé no
progresso. [...] embora existam provas de que Marx nada queria com a noção tão
afável e burguesa, sua preocupação e sua esperança com o que considerava
abertamente como uma melhoria provável na situação humana o colocam pelos num
grupo, amplamente definido, de autores que acreditavam no progresso como uma
melhoria. Quando se trata da ideia de progresso como o complexo de ideias e a
natureza e o curso da mudança, que vimos discutindo aqui, a inclusão de Marx
entre os desenvolvimentistas é outra questão. [...] sua posição pode ser melhor
examinada com o objetivo de fixar as características marcantes da ideia de
progresso e suas consequências para o estudo histórico. [Segundo Kenneth],
apesar de toda a sua surpreendente
originalidade, Marx não deixou de ser afetado pelo clima intelectual de sua
época [...] dada a onipresença da ideia de progresso, não seria de surpreender
se não encontrássemos em seus escritos traços do evolucionismo. [...] primeiro,
Marx e Engels estavam obviamente interessados em descrever as fases históricas.
Em a Ideologia Alemã, eles identificaram fases do desenvolvimento das formas de
propriedade – tribal, antiga, feudal e capitalista. Modos de produção asiático,
antigo, feudal e modernos foram delineados por Marx na Critica da economia
política e o assunto foi tratado em
maior detalhe em formações econômicas pré-capitalistas. Não se torna claro,
nessas discussões, qual é o universo do discurso – a que entidades essas fases
se referem – mas há uma forte sugestão de que a propriedade e a produção eram
consideradas como categorias universais
que tinham uma história que podia ser reconstituída por uma disposição de
formas escolhidas de vários tempos e lugares.” (p. 103-104)
“Segundo, Marx usou ocasionalmente a linguagem tradicional dos
progressistas na descrição do processo histórico. A sociedade era tratada como
um todo. ‘A historia de todas as sociedades até então existentes é a história
das lutas de classes. A sociedade burguesa foi repetidamente descrita como
apenas a forma ‘mais altamente desenvolvida e mais altamente diferenciada’, de
modo a poder ser usada como a chave de ‘todas as formas passadas de sociedade’
mais ou menos da maneira pela qual ‘a anatomia do ser humano é uma chave para a
anatomia do macaco’”. (p. 104)
Segundo Kenneth, “a confusão quanto à ideia de progresso social,
desenvolvimento ou evolução, com a teoria da evolução orgânica estabeleceu
certa imprecisão na história da teoria social, e as consequências são hoje mais
evidentes do que nunca.” (p. 105)
“Sugerir que foi Charles Darwin e seu conceito de seleção natural o
responsável pela adoção de uma perspectiva histórica nas disciplinas humanistas
na segunda metade do século XIX é ignorar a longa tradição de pensamento
evolucionista na teoria social, que antecedeu a adoção desse ponto de vista na
bilogia. Devemos lembrar não só que desenvolvimentistas culturais como Tylor e
McLennan, embora perfeitamente conscientes da obra de Darwin, observaram o fato
simples de que estavam interessados num diferente tipo de estudo [...]. Auguste
Comte consistiu na rigidez das espécies, mas via as formas sociais como
produtos de fluxo continuado. Herbert Spencer, dois anos antes da publicação de
A Origem das Espécies, tinha dúvidas sérias de que tivesse existido um
movimento, no tempo, de plantas e animais mais simples e homogêneos para a
produção de organismos complexos e heterogêneos. Não tinha dúvida, porém que a
sociedade havia evoluído nesse sentido. Aristóteles adotara uma opinião
basicamente semelhante sobre a matéria.” (p. 105)
“[...] O que devemos notar são as interpretações errôneas e infelizes de
Darwin e dos evolucionistas sociais que resultam das tentativas de aproximar os
dois, e os esforços freqüentemente confusos e abortados para Biossociologia ou
Sociobiologia.” (p. 106)
“Embora fosse uma perspectiva orientadora e dominante para a Sociologia e
a ciência social em geral no século XIX, a ideia de progresso ou evolução não
escapou ao questionamento, como já observamos. A explicação das diferenças
culturais foi sempre um problema difícil para os evolucionistas. Quando foram
apresentadas as explicações raciais na primeira metade do século XIX, foram
consideradas como deficientes por estudiosos como Maine e Theodor Waitz, que,
nas circunstâncias, foram obrigados a se ocupar diretamente da questão.” (p.
107)
“De outros círculos, principalmente entre as fileiras da Antropologia,
algumas das suposições subjacentes ao uso do método comparado foram
questionadas. [...] foram reunidas provas que negavam a uniformidade dos
processos social e cultural através do tempo e do espaço. Houve uma crescente
autoconsciência sobre o caráter etnocêntrico do esquema desenvolvimentista
europeu. A reação, liderada por Boas, foi um retorno a uma perspectiva
difusionista [...] em consequência desse tipo de crítica, a forma clássica do
evolucionismo do século XIX teve problemas sérios na década de 1890 e 1930 foi
considera morta. [Para Kenneth, a fé na ideia de que o progresso era uma
melhoria, caminhou para esse mesmo caminho, entretanto em circunstâncias
distintas]. Não foi, porém, expulsa do campo por outra teoria da mudança social
ou cultural. Será mais exato dizer que a bancarrota evidente do evolucionismo
desencorajou a construção de uma teoria grandiosa da mudança, e que o novo
trabalho teórico concentrou-se em torno de um tema correlato na tradição do
pensamento social ocidental: o funcionalismo.” (p. 108)
“[...] os
funcionalistas modernos, Malinowski argumentou que, antes de podermos entender
como os fenômenos culturais chegaram a existir, devemos conhecer a natureza da
cultura. [...] Talcott Parsons disse mais tarde, para a construção de uma
teoria sólida da mudança social, é necessário conhecer o que é o que muda. Se
houve qualquer conflito entre o evolucionismo e o funcionalismo, portanto, foi
a crítica dos evolucionistas-funcionalistas, nos últimos anos, aos
funcionalista-evolucionistas antigos de que não realizaram com o devido cuidado
a parte funcional de seu trabalho. [...] o ‘renascimento’ do evolucionismo e
marcado por uma íntima aderência ao formato do século XIX. [...] O
desenvolvimento é mencionado como um processo uniforme, e as sociedades que
tiveram uma experiência diferente são descritas como subdesenvolvidas.” (p. 109-110)
“O aparecimento dessa moderna ideia
de progresso ou evolução do funcionalismo não podia encerrar uma promessa de
reforma da teoria dos processos sociais e culturais. Em sua preocupação com o
problema da ordem social, os funcionalistas-estruturais chamaram atenção para
as realidades históricas da persistência ou estabilidade nas sociedades humanas
e tentaram explicá-las. Isso representa um afastamento claro da habitual
explicação evolucionista da estagnação, em termos do acidental ou anormal.
[...] isso parece pressionar no sentido de uma explicação da mudança, em lugar
da afirmação tradicional de que ela é natural e onipresente. [...] o que é
característico das sociedades e culturas não pode explicar a incidência
errática das mudanças conseqüentes dos tipos de acontecimentos. Evitar o
uniformismo da ideia de progresso é uma pré-condição para uma explicação da
mudança e da diferença.” (p. 110)
Referência Bibliográfica:
BOCK, Kenneth. Teorias do Progresso, Desenvolvimento e Evolução. In BOTTOMORE, Tom; NISBET, Robert (orgs). História da Análise Sociológica. Zahar Editores, Rio de Janeiro, 1980.