quarta-feira, 11 de setembro de 2013

Reflexão sobre a Política de Assistência Social no Governo Lula (avanços, continuidades e tendências contemporâneas) e sua relação com o enfrentamento da “questão social”, considerando: a- os avanços da PNAS/SUAS e a gestão da Assistência Social; b- o Programa Bolsa Família (principal programa de combate à pobreza extrema); c- os limites na garantia dos direitos.



A presente análise tem como objetivo apresentar uma reflexão sobre a Política Pública de Assistência Social tendo como marco histórico o governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (Lula – 2003 - 2010). Para isso é necessário que essa reflexão tenha como suporte histórico a conjuntura da Sociedade Capitalista Contemporânea.
A reflexão em tela pauta-se no referencial teórico construído a partir da Constituição Federal de 1988 e, além desta, a Lei Orgânica da Assistência Social-LOAS Lei Nº 8.742 de 7 de Setembro de 1993. Além disso, serão consideradas outras legislações como: PNAS/ SUAS – Resolução CNAS nº 145 de 2004 (Política Nacional de Assistência Social/ Sistema Único de Assistência Social); NOB[1] SUAS (2005) – (Normal Operacional Básica do SUAS) e NOB[2] RH (2006) – (Norma Operacional Básica de RH – SUAS).
Desta feita, antes de dar continuidade, é de suma importância destacar a LOAS[3] como um marco a ser buscado como base por todos os que estão comprometidos com a expansão da cidadania para a classe trabalhadora do nosso país.
A partir desta perspectiva, é preciso frisar que, a Assistência Social não se refere apenas a condições de sobrevivência dos sujeitos, mas também a garantias de exercício da cidadania a que todos os cidadãos têm direito.
Sendo assim, como bem coloca (ALMEIDA; BEHRING, 2010, p. 153), o desafio está em apreender a seguridade social não como um fato em si, em outras palavras significa compreendê-la a partir da “totalidade histórica em movimento, reconhecendo os limites e condições impostas pela política econômica e a conjuntura política [...]”.
Todavia, diante desses condicionantes, coloca as autoras mencionadas, necessita-se criar meios/estratégias de enfretamento, visando assim, a superação dos entraves postos, principalmente pela lógica econômica social excludente na qual estamos inseridos.
Do exposto, procura-se aqui entender e analisar a Assistência Social imbricada num determinado período histórico, e formadas por múltiplas causas na perspectiva de totalidade social. E é partindo desse princípio que se pode melhor captar a dinâmica implícita a Assistência Social na sociedade capitalista.
Sendo assim, tendo como base o referencial teórico trabalhado ao longo da disciplina de Política de Seguridade Social III: Assistência, e, além disso, as discussões suscitadas no decorrer desse processo. É possível constatar considerável avanço, ou como bem coloca (LOPES, 2007 apud ALMEIDA; BEHRING 2010, p. 160), “possíveis avanços” no que concerne à implementação da referida política durante o governo Lula, este avanço se deu, principalmente em termos de legislação, onde desde o princípio, coloca as autoras,
os documentos gerais orientadores do governo Lula, como o PPA – Brasil de todos e o Programa Fome Zero [...] reconheciam a seguridade social nos termos constitucionais e seu papel estruturante e de proteção social. 

Soma-se a isso, a abertura de concursos públicos para a área da Assistência, no que tange as inovações em termos de legislação que ganharam destaque nesse período foram: “a construção do SUAS e de todo seu marco regulatório, o Estatuto do Idoso e a implementação da idade de 65 anos para o acesso ao BPC[4], o Cadastro Único e o Programa Bolsa-Família ALMEIDA; BEHRING 2010, p. 160).
No entanto, pensar a institucionalização da Assistência Social dentro desse marco histórico, isto é, sob a égide do neoliberalismo, consiste num imenso desafio, pois em tempos neoliberais as políticas sociais de um modo geral, tendem a ser redirecionadas para o corte do gasto público e/ou social, a desativação dos programas já existentes e a redução da responsabilidade do Estado. Desta forma, a redução acaba tomando uma proporção de universalidade e os graus de cobertura dos programas sociais são deslocados do campo dos direitos sociais.
E, como bem ressalta (ALMEIDA; BEHRING, 2010, p. 161), houve “[...] muitos elementos de continuidade[5] e que dificultam as possibilidades de consolidação da seguridade social como reforma democrática, contidas naquelas inovações.”
Em outras palavras, pode-se entender que a característica principal do Estado neoliberal é de reestruturação dos programas sociais através da descentralização, que visa acelerar a eficiência e a eficácia do gasto estatal.
Sendo assim, um dos principais instrumentos para isso será a privatização, pois ela permite maior deslocamento da produção e distribuição dos bens e serviços públicos para diferentes setores, como o privado e o não lucrativo (terceiro setor), isto é, pensando em termos concretos, significa que assim, o governo fica desresponsabilizado de suas obrigações sociais, reafirmando, desta forma, a política do “Estado mínimo”. Onde os programas sociais visam um público específico, isto é, um público onde o grau de pobreza encontra-se em níveis extremos.
Assim, pode-se compreender as ações do Estado nesse período, especificamente, dotadas de um viés de focalização, como fruto direto da reestruturação, que visa o gasto social a programas e público alvo específico, ou seja, escolhido de forma seleta, conforme a urgência da demanda apresentada, sendo direcionado aos pobres dos mais pobres, como já mencionado no decorrer dos textos. (A)
Diante do supra-referido, cabe ressaltar que no período de governo do ex-presidente Lula, houve nesse contexto um investimento na área social, podendo ser considerado maior do que a do governo que o antecedeu, Fernando Henrique Cardoso (FHC), porém não se deve deixar de ressaltar que as medidas adotadas por Lula, estão voltadas para um determinado público, isto é, aquele público que encontra-se fora da esfera do mercado formal de trabalho, que não contribui num primeiro momento para o crescimento da economia, então qual seria a lógica, os Programas Sociais vem no sentido de inserir esses indivíduos a esfera. E como bem coloca as autoras o elemento fulcral que permite a percepção da continuidade dos projetos de governo (FHC e Lula), é a prioridade que foi dada a esfera da economia em ambos os mandatos.
É inegável que dentre a série de fatores resultantes das políticas adotadas no contexto neoliberal, o mais significativo tem sido o agravamento da questão social. O contexto social em que esta é produzida, no desemprego e no subemprego traduz a sua mais clara expressão.
E, é neste sentido que a política de Assistência Social tem sido pensada e, principalmente implementada, no sentido de ser um paliativo para as várias expressões da questão social, ou como bem coloca alguns autores, as “novas” metamorfoses dessa questão.
No que se refere aos avanços na gestão dessa política a partir da PNAS/SUAS, foi de sublime relevância para assegurar a operacionalidade da Assistência Social, pois será por meio da institucionalização do SUAS que serão estabelecidos os parâmetros do seu novo modelo de gestão, visando a universalidade dos direitos sociais.
Neste sendo, pode-se apreender o SUAS como um modelo inovador de gestão que visa à integração dos entes federativos, ou seja, a integração entre, União, Estados, Distrito Federal e Municípios. Estabelecendo níveis gestão, básica – de caráter preventivo e especial quando ocorre violação de direitos. Aquele se caracteriza como sistema público, isto é, não contributivo, além disso, caracteriza-se por ser descentralizado, tendo como função específica, gestar o conteúdo contido na Política Nacional de Assistência Social no Campo da proteção social no Brasil em conjunto com o Ministério de Desenvolvimento e Combate a Fome (MDS).
Do exposto, compreende-se que o objetivo fundante do SUAS é a consolidação de um sistema que seja descentralizado e que tenha a participação dos conselhos e da população para a qual a política se direciona. Além do mais, visa regulamentar e dar organicidade as ações de cunho socioassistenciais dentro do sistema. Isso implica planejar a política de assistência social de forma integrada entre os entes federados tendo os mesmos princípios e diretrizes como base, mas respeitando, no entanto, a diversificação.
Talvez essa tenha sido a maior dificuldade encarada durante o governo Lula, isto é, dar concretudes as ações que estão previstas nas legislações acima mencionadas, isso acontece, principalmente, porque são ações que estão na contramão do projeto social democrata, tendo em vista que, no modo de produção capitalista, o que se visa é o lucro, a esfera do mercado acaba sendo preservada em detrimento da institucionalização das políticas de forma universal e igualitária. Sendo assim, as ações são pensadas de forma imediatista, focalizadas e propostas para aqueles que estão em níveis considerados de extrema pobreza.
No entanto, sem sombras de dúvidas todas essas legislações representaram ganhos imensuráveis para a política de assistência social, mas, principalmente, para a classe trabalhadora e para os profissionais que trabalham com base num projeto ético político, visando à garantia de direitos, como, por exemplo, os assistentes sociais.
Quanto ao programa Bolsa-Família, considerado o programa chave do ex-governo Lula, num primeiro momento deve ser assinalado que este é resultado da junção/unificação de uma série de outros Programas[6] de transferência de renda implementados durante o governo de FHC.
Ou como bem ressaltado por (SILVA; YAZBEK; GIOVANI, 2008, p. 99),
a partir de 2003, com o início do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, podemos perceber o início do que passamos a considerar o quinto momento do desenvolvimento histórico dos Programas de Transferência de Renda no país.

Isso posto, pensar sobre o referido programa consiste num grande desafio, já que muito se tem discutido sobre o tema e, como bem coloca os autores que nos serve de referencial teórico, o programa bolsa família representou avanço e isso é incontestável, apesar das limitações.
Doravante, analisá-lo significa pensá-lo como uma ação num primeiro momento, paliativa que não está incutido da ideia de mudança em nível estrutural da família receptora, ou seja, o fato de ser beneficiado pelo programa não garante a emancipação econômica desse sujeito, muito pelo contrário, acaba por criar uma dependência, econômica, tendo-se em vista que ele não objetiva a inserção das famílias ao mercado formal de trabalho e sim responder de forma imediata a questão social que pulsa e clama por socorro. 
Sendo assim, observa-se que programas sociais, como é o caso do Programa Bolsa-Família, representam, num curto período de tempo, a compra de bens essenciais a sobrevivência dessas famílias. Em outras palavras, as políticas desenvolvidas sob essa lógica do capital estão muito aquém dos objetivos propostos dentro da política pública de assistência social.
Em contrapartida, devemos reconhecer que são de extrema necessidade, são úteis em responder mesmo que de forma como vem respondendo as refrações da questão social.
Do exposto, compreendemos que o principal problema dos programas de transferência de renda, como é o bolsa-família, consiste no seguinte ponto: os benefícios, em sua grande, maioria estão vinculados a ações politiqueiras de e cunho assistencialista e de controle, o que acaba por torná-las fragilizadas, a partir do momento que falta planejamento e investimento, deixando de ser trabalhados/pensados numa perspectiva de emancipar economicamente as famílias beneficiadas.
Ao invés de trabalhar numa perspectiva de erradicação da miséria e da injustiça social, os programas assistencialistas dentro desse modo de produção, isto é, capitalista, se limitam a aliviar/minimizar a pobreza de um país de milhões de cidadãos em situação de extrema insegurança alimentar e violações de direitos.
E para tornar esse quadro ainda mais grave, esses benefícios assistenciais acabam tornando peça fundamental no que tange a lealdade desses usuários aos referidos governantes e isso foi bem claro no segundo ano de elegibilidade do ex-presidente Lula, onde o maior número de votos, segundo dados eleitorais do período, vieram de regiões onde o programa bolsa família era direcionado a famílias em condições miseráveis, como é o caso da região Nordeste, onde as estáticas mostram possuir os Estados que têm o maior número de famílias beneficiadas pelo referido programa, só pra citar como exemplo. 
Assim, o então processo de redefinição de políticas públicas para uma sociedade reflete os conflitos de interesses distintos, os arranjos feitos nas esferas de poder que perpassam e se entrelaçam às instituições do Estado e da sociedade.
Esta nova modalidade tem como desdobramentos as ações filantrópicas, onde as políticas sociais são substituídas por programas de combate à pobreza, onde as responsabilidades do Estado são redistribuídas ao terceiro setor e, além disso, as políticas sociais passam a ser fundamentada em ações focalizadas e no autofinanciamento substituindo assim sua universalização. 
Desta maneira, a questão social, portanto, tende a ser externalizada e transferida para o imediatismo e para a esfera do individualismo. Em outras palavras, ocorre uma mudança de modo significativo no trato da questão social e nas suas múltiplas expressões.
Do exposto os desafios consistem em dar concretude aos direitos garantidos na Constituição Federal de 1988; LOAS; PNAS/SUAS, e que preconizam a Política de Assistência Social enquanto direito, mas que com o advento do neoliberalismo, que atualmente engendra num quadro de despolitização das ‘classes subalternas’, transformou as conquistas das lutas sociais em mera concessão, remetendo os direitos ao âmbito do mercado e desresponsabilização social do Estado.
            Portanto, torna-se primordial retomar o papel das políticas sociais como instrumento que possibilite o enfrentamento dos reflexos da questão social, visto que a assistência social, como reflexo de uma cultura política incutida pela lógica do capital, não tem contribuído para a autonomia econômica e política dos trabalhadores pauperizados, o que consequentemente vem reafirmando a condição de subalternidade e precariedade desses sujeitos.  



Referência:

ALMEIDA, Maria Helena Tenório; BEHRING, Elaine Rossetti. Trabalho e seguridade Social: percursos e dilemas. 2ª Ed. São Paulo: Cortez, 2010.

GALVÃO, Roberto Carlos Simões. Bolsa Família ,Educação e Cidadania.
Revista Eletrônica de Educação. Ano II, No. 03, ago./dez. 2008. Disponível em: < http://web.unifil.br/docs/revista_eletronica/educacao3/Artigo2.pdf >. Acesso em: 09 de agosto de 2013.

MOTA, Ana Elizabete. O Mito da Assistência Social: ensaios sobre Estados, política e sociedade. 4ª Ed. São Paulo: Cortez, 2010.

MOURA, Paulo Gabriel Martins. Bolsa Família: projeto social ou marketing político? Rev. Katál. Florianópolis v. 10 n. 1 p. 115-122 jan./jun. 2007. Disponível em: < http://www.scielo.br/pdf/rk/v10n1/v10n1a13.pdf >. Acesso em 08 de agosto de 2013.

SILVA, Maria Ozanira da silva; YAZBEK, Maria Carmelita; GIOVANNI, Geraldo. A Política Social Brasileira no século XXI. 4ª Ed. rev. e atual. São Paulo: Cortez, 2010.
 


[1]NOB SUAS (2005) Disciplina e normatiza a operacionalização da gestão da Política de Assistência Social: estabelece nova sistemática de financiamento pautada em pisos de proteção social básica e especial, em conformidade com critérios de partilha pautados em indicadores, porte de municípios, a análise territorial realizada de fundo a fundo de forma regular e automática; define responsabilidades e critérios para a adesão ao SUAS; define níveis diferenciados de gestão de estados e municípios.

[2] A NOB/RH aprovada pelo CNAS em 13 de dezembro de 2006 objetiva: a padronização das carreiras do SUAS, por meio de diretrizes nacionais para a  implementação de ações específicas que tem como objetivo a qualificação e  valorização dos trabalhadores atuantes no SUAS.


[4]É um direito garantido pela Constituição Federal de 1988 e consiste no pagamento de 01 (um) salário mínimo mensal a pessoas com 65 anos de idade ou mais e a pessoas com deficiência incapacitante para a vida independente e para o trabalho. Em ambos os casos a renda per capita familiar seja inferior a ¼ do salário mínimo. O BPC também encontra amparo legal na Lei 10.741, de 1º de outubro de 2003, que institui o Estatuto do Idoso. O benefício é gerido pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), a quem compete sua gestão, acompanhamento e avaliação. Ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), compete a sua operacionalização. Os recursos para custeio do BPC provêm do Fundo Nacional de Assistência Social (FNAS).
[5] Continuidade neste caso, refere-se à política adotada pelo governo Lula, contendo elementos da política adotada durante o mandado do FHC.
[6][...] a proposta inicial foi para unificar quatro Programas de transferência de renda (bolsa-escola; bolsa alimentação; vale-gás e cartão alimentação [...] (SILVA; YAZBEK; GIOVANI, 2008, p. 100).

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