A história das políticas sociais possui vários aspectos abordados sob os
mais variados pontos de vista no contexto do neoliberalismo. A questão que
envolve a dicotomia entre o público e privado tem se apresentado como um dos
pontos fulcrais. E é a partir desta perspectiva que se analisa aqui o fenômeno
da mercadorização dessas políticas sob o prisma do neoliberalismo.
INTRODUÇÃO
Entende-se por políticas sociais ações que determinam o padrão de
proteção social implantado pelo Estado, voltadas, em princípio, para a
redistribuição dos benefícios sociais tendo como meta a redução das
desigualdades estruturais produzidas pelo desenvolvimento socioeconômico. Segundo
BEHRING E BOSCHETTI (2010: 47)
Não se pode indicar com precisão um período específico
de surgimento das primeiras iniciativas de políticas sociais, pois, como
processo social, elas se gestaram na confluência dos movimentos de ascensão do
capitalismo com a Revolução Industrial, das lutas de classe e do
desenvolvimento da intervenção estatal. Sua origem é comumente relacionada aos
movimentos de massa social-democratas e ao estabelecimento dos Estados-nação na
Europa Ocidental do final do século XIX, mas sua generalização situa-se na
passagem do capitalismo concorrencial para o monopolista, em especial na sua
fase tardia, após a Segunda Guerra Mundial (pós-1945).
Para melhor compreender a relação entre políticas sociais e o Estado
neoliberal, partiremos de estudos já realizados sobre o presente tema e, além
disso, usaremos como base teórica neste estudo a contribuição da tradição
marxista.
Desse modo, o estudo das políticas sociais deve partir do principio de
que estas não devem ser explicadas a partir de sua imediaticidade ou como fato
isolado. Assim, o enfoque está em situar e
analisar os fenômenos sociais em seu complexo e contraditório processo de
produção e reprodução das relações sociais.
Procura-se aqui entender e analisar as
políticas sociais imbricadas num determinado período histórico, e formadas por
múltiplas causas na perspectiva de totalidade. E é partindo desse princípio que
se pode melhor captar a dinâmica do capitalismo liberal, tendo sempre como
orientação a história e os processos dela decorrentes.
ESTADO, MERCADO
E POLÍTICAS SOCIAIS
Ao analisar-se as políticas sociais como conseqüência e/ou expressões multifacetadas
da questão social e de suas múltiplas refrações, fica explícito que estas são
resultados de processos histórico-contraditórios, os quais são inerentes ao modo
de produção capitalista.
Neste
sentido, têm-se sempre embates políticos de luta de classes, pela garantia de
direitos e efetivação destes. Doravante, em se tratando de política social, o
neoliberalismo sempre a redireciona para o corte do gasto público e/ou social,
a desativação dos programas já existentes e a redução da responsabilidade do
Estado. Desta forma, a redução acaba tomando uma proporção de
universalidade e os graus de cobertura dos programas sociais são deslocados do
campo dos direitos sociais.
Em outras palavras, pode-se entender que a característica
principal do Estado neoliberal é de reestruturação dos programas sociais
através da descentralização, que visa acelerar a eficiência e a eficácia do
gasto estatal.
Sendo assim, um dos principais instrumentos para isso será a
privatização, pois ela permite maior deslocamento da produção e distribuição
dos bens e serviços públicos para diferentes setores, como o privado e o não
lucrativo (terceiro setor), isto é, pensando em termos concretos, significa que
assim o governo fica desresponsabilizado de suas obrigações sociais,
reafirmando, desta forma, a política do “Estado mínimo”.
A partir
desta perspectiva, coloca COUNTINHO (2007: 5)
Na
conjuntura em que estamos imersos, as classes trabalhadoras — por muitas
razões, entre as quais a chamada “reestruturação produtiva”, que pôs fim ao
fordismo e, portanto, às formas correspondentes de organização dos operários —
têm sido obrigadas a se pôr na defensiva: suas expressões sindicais e
político-partidárias sofreram assim um evidente recuo na correlação de forças com
o capital. [...] A luta de classes, que
certamente continua a existir, não se trava mais em nome da conquista de novos
direitos, mas da defesa daqueles já conquistados no passado.
Em resposta a citação
supra-referida, pode-se compreender a luta de classe como resposta as
ações empreendidas pelo Estado, pois estas estão dotadas de um viés de
focalização, como fruto direto da reestruturação, que visa o gasto social a
programas e público alvo específico, ou seja, escolhido de forma seleta,
conforme a urgência da demanda apresentada.
Para COUTINHO (2007: 5)
Na época neoliberal, não há espaço para o
aprofundamento dos direitos sociais, ainda que limitados, mas estamos diante da
tentativa aberta — infelizmente em grande parte bem sucedida — de eliminar tais
direitos, de desconstruir e negar as reformas já conquistadas pelas classes
subalternas [...] As chamadas “reformas” da previdência social, das leis de
proteção ao trabalho, a privatização das empresas públicas, etc. — “reformas”
que estão atualmente presentes na agenda política tanto dos países capitalistas
centrais quanto dos periféricos (hoje elegantemente rebatizados como
“emergentes”) — têm por objetivo a pura e simples restauração das
condições próprias de um capitalismo “selvagem”, no qual devem vigorar sem
freios as leis do mercado.
A regulação neoliberal, que fundamenta a orientação da
globalização vigente, supõe quebra do Estado, o qual deve ser mínimo, ser
flexível por conta do mercado e da competição privada.
Nesse sentido, as teses neoliberais consistem numa perspectiva de
intervenção mínima no que tange a ação do Estado em setores públicos como,
educação, saúde, habitação, previdência social, assistência, segurança, etc., a
lógica vigente, está voltada para o Estado mínimo. Isto é, vai haver uma
redução significativa e/ou corte dos direitos sociais, na qual a precarização
dos bens públicos fica evidente no decorrer da história.
Desta maneira, para Netto (1992:
51)
As políticas sociais e a formatação de padrões de
proteção social são desdobramentos e até mesmo respostas de enfretamento – em
geral setorializadas e fragmentadas – às expressões multifacetadas da questão
social no capitalismo, cujo fundamento se encontra nas relações de exploração
do capital sobre o trabalho.
Assim, os neoliberais irão defender a redução do Estado, sendo o melhor
mecanismo para os indivíduos reconquistarem o mercado. Desta forma, o mercado é
o lugar de riqueza, e a atuação do mercado prejudica a economia, e se o Estado
não intervém é melhor, haja vista que a intervenção estatal é antieconômica e
desestimula o trabalhador a trabalhar, o Estado burocrático (estatizado) é
sempre visto como improdutivo.
Ou como bem coloca ANDERSON
(1995: 2) os ideólogos do neoliberalismo,
[...] argumentavam que o novo igualitarismo (muito
relativo, bem entendido) deste período, promovido pelo Estado de bem-estar,
destruía a liberdade dos cidadãos e a vitalidade da concorrência, da qual
dependia a prosperidade de todos. Desafiando o consenso oficial da época, eles
argumentavam que a desigualdade era um valor positivo – na realidade
imprescindível em si –, pois disso precisavam as sociedades ocidentais.
Coerentes com estes postulados, poucos desses direitos são efetivados no
contexto neoliberal. Ao contrário, tais direitos
são alvos de ataques pela classe dirigente do Estado e também do capital, desta
maneira, o ataque é denominado neoliberalismo, que usa a modernização, o
progresso como pretexto para a acumulação capitalista se reafirmar.
Cabe, nesse momento, destacar que para atender as exigências neoliberais,
o Estado redireciona seu investimento para setores de estrutura e
infraestrutura do capital, o qual segue as diretrizes de fazer transferência de
investimentos que antes eram direcionados ao setor público, mas que com a nova
lógica vigente esses vão para o setor privado.
Para ANDERSON (1995: 1) o neoliberalismo[1]
“foi uma reação teórica e política veemente contra o Estado intervencionista e
de bem-estar”.
A partir do já mencionado, começa-se a entender a maneira dos liberais de
lidar com os serviços e políticas públicas, onde o ponto forte é o
financiamento destas políticas, é neste sentindo que acontece um retrocesso no
que concerne investimento em setores públicos.
Em outros termos, houve nesse contexto uma drástica redução desses recursos
em gastos públicos, o que nos leva a conclusão de que isso significa menor
demanda de investimentos em serviços sociais populares, assim, a perda de
direitos básicos e serviços de qualidade se perderam ao longo do tempo.
É
inegável que dentre a série de fatores resultantes das políticas adotadas pelos
liberais o mais significativo tem sido o agravamento da questão social. O
contexto social em que esta é produzida, no desemprego e no subemprego traduz a
sua mais límpida expressão.
HARVEY (2003) analisa a
trajetória do desenvolvimento capitalista, abordando sob diferentes pontos de
vista as várias faces desse modo de produção.
Destaca-se, assim, a
questão que envolve a longa sobrevivência desse modo estrutural de produção e
suas crises e consequentemente, suas formas de desigualdades como um dos pontos
fundamentais no processo de sustentação e manutenção.
É preciso frisar, a
seguinte questão, o capital cria condições e/ou espaços que culminam na sua
sobrevida como, por exemplo, a sua principal característica, a desigualdade
social e suas várias formas de exploração.
Sendo assim, cabe destacar
que diante desse quadro torna-se comum a forma como o processo de expansão vem
se dando ao longo da história, cria-se meios que facilitarão a expansão do
capital e em contrapartida a perda de direitos socialmente e historicamente
construídos.
Ou como bem coloca HARVEY
(2003: 12),
A produção do espaço,
a organização de novas divisões territoriais de trabalho, a abertura de novos e
mais baratos complexos de recursos, de novos espaços dinâmicos de acumulação de
capital, e a penetração em formações sociais pré-existentes pelas relações
sociais capitalistas e acordos institucionais (tais como regras contratuais e
acordos de propriedade privada) são formas de absorver excedentes de capital e
mãode-obra.
Percebe-se que sob o prisma neoliberal, o Estado tem como foco a redução
das políticas sociais universais e o não reconhecimento de direitos sociais
como direitos inerentes ao homem pelo simples fato do mesmo fazer parte da
sociedade.
O que segundo Soares (2003: 12), dentro do contexto da globalização
neoliberal,
A filantropia substitui o direito social; os pobres
substituem os cidadãos; a ajuda individual substitui a solidariedade coletiva;
o emergencial e o provisório substituem as políticas públicas; o local
substitui o regional e o nacional. É o reinado do minimalismo no social para
enfrentar a globalização no econômico.
Verifica-se dentro dessa perspectiva, que as políticas sociais tornam-se
mercadorias na medida em que para ter acesso a bens e serviços de melhor
qualidade é preciso está inserido no mercado de trabalho, e percebe-se de forma
clara a mercantilização do que é direito do homem enquanto cidadão, visto que
ao inserir as políticas sociais nessa lógica capitalista perversa é uma das
maneiras de fortalecimento do capital, na medida em que, o setor privado
fortalece-se enquanto que o público fica sucateado.
CONCLUSÃO
Após esta sintética reflexão da concepção de Estado e de políticas
sociais no neoliberalismo tendo como orientação os autores citados, penso ser
oportuno relembrar alguns pontos fundamentais para nossa compreensão final.
Desta forma, conclui-se que essas desigualdades no que concernem direitos
sociais como pertencentes ao homem faz parte do capitalismo neoliberal, onde o
Estado tem por objetivo atender os interesses da burguesia, e em contrapartida
a despolitização da classe trabalhadora em geral, e por fim, promover o
desmonte das políticas sociais e o corte em gastos públicos, resultando assim, na
continuidade do capitalismo enquanto sistema contraditório e de relações
dialéticas e/ou interesses distintos, sistema esse sujeito tanto a avanços
quanto retrocessos.
Assim, o então processo de redefinição de políticas públicas para uma
sociedade reflete os conflitos de interesses distintos, os arranjos feitos nas
esferas de poder que perpassam e se entrelaçam às instituições do Estado e da
sociedade.
Esta nova modalidade tem como desdobramentos as ações filantrópicas, onde
as políticas sociais são substituídas por programas de combate à pobreza, onde
as responsabilidades do Estado são redistribuídas ao terceiro setor e, além
disso, as políticas sociais passam a ser fundamentada em ações focalizadas e no
autofinanciamento substituindo assim a universalização destas.
Desta maneira, a questão social, portanto, tende a ser externalizada e
transferida para a imediaticidade e para a esfera do individualismo. Em outras
palavras, ocorre uma mudança de modo significativo no trato da questão social e
nas suas múltiplas expressões.
Como assinala Laurell
(1995), as políticas sociais de inspirações neoliberais criadas e distribuídas
entre todos os cidadãos com os direitos à seguridade social e serviços iguais a
todos, são esquecidos ao se abandonar os princípios de solidariedade, regidos
por critérios de lucro e equivalência, onde são transferidos vultosos fundos
públicos para o setor privado ao invés de utilizá-los com critério social de
solidariedade.
Esse sistema pode ter efeitos desejados no que diz respeito ao crescimento
da economia, no que concerne à expansão dos serviços privados, mas não
produzira um desenvolvimento social homogêneo e/ou equidade social, já que
enfraquece os programas públicos de subsídio aos mais pobres e privando-os do
direito de ter acesso às políticas públicas de forma equânime, isto é, onde
esse cidadão não seja privado dos seus direitos sociais.
Diante do exposto, pode-se concluir afirmando que ao longo deste artigo procurou-se
trazer uma análise reflexiva sobre o desmonte das políticas sociais sob o
prisma neoliberal e o processo de transformação dessas políticas em mercadoria.
Além disso, o presente trabalho nos faz pensar como que ao longo da história se
fortaleceram as relações entre Estado, sociedade e mercado que, dialeticamente,
destroem e reconstroem padrões favoráveis à reafirmação do projeto burguês.
REFERÊNCIA
ANDERSON, Perry.
“Balanço do Neoliberalismo”. In SADER, E. & GENTILI, P. (orgs)
Pós-neoliberalismo: As políticas Sociais e o Estado Democrático. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1995, pp. 9-23.
BEHRING, Elaine Rossetti; BOSCHETTI,
Ivanete. Política Social: fundamentos
e história. 7ª. Ed. São Paulo: Cortez, 2010.
COUTINHO, Carlos Nelson. A época neoliberal: revolução passiva ou contra-reforma? Disponível em: < http://laurocampos.org.br/2008/06/a-epoca-neoliberal-revolucao-passiva-ou-contra-reforma/>. Acesso em junho de 2013.
HARVEY, David. O “novo imperialismo”: acumulação por desapossamento – parte II (David
Harvey) Disponível em: < http://www.pucsp.br/neils/downloads/v15_16_david_harvey.pdf
>. Acesso em: maio de 2013.
LAURELL, Asa Cristina (org.). Estado
e Políticas Sociais no Neoliberalismo. São Paulo: Cortez, 1995.
NETTO, José Paulo. Capitalismo Monopolista e Serviço
Social. São Paulo: Cortez, 1992.
SOARES, Laura
Tavares. O Desastre Social. São
Paulo: Rio de Janeiro: Editora Record, 2003.
[1]
Segundo ANDERSON (1995: 1) “O neoliberalismo nasceu logo depois da II Guerra
Mundial, na região da Europa e da América do Norte onde imperava o capitalismo.
Foi uma reação teórica e política veemente contra o Estado intervencionista e
de bem-estar. Seu texto de origem é O Caminho da Servidão, de Friedrich Hayek,
escrito já em 1944. Trata-se de um ataque apaixonado contra qualquer limitação
dos mecanismos de mercado por parte do Estado, denunciada como uma ameaça letal
à liberdade, não somente econômica, mas também política.”
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