segunda-feira, 9 de setembro de 2013

UMA BREVE REFLEXÃO SOBRE O PROCESSO DE MERCADORIZAÇÃO DAS POLÍTICAS SOCIAIS SOB A ÉGIDE NEOLIBERAL




RESUMO
A história das políticas sociais possui vários aspectos abordados sob os mais variados pontos de vista no contexto do neoliberalismo. A questão que envolve a dicotomia entre o público e privado tem se apresentado como um dos pontos fulcrais. E é a partir desta perspectiva que se analisa aqui o fenômeno da mercadorização dessas políticas sob o prisma do neoliberalismo.

INTRODUÇÃO
Entende-se por políticas sociais ações que determinam o padrão de proteção social implantado pelo Estado, voltadas, em princípio, para a redistribuição dos benefícios sociais tendo como meta a redução das desigualdades estruturais produzidas pelo desenvolvimento socioeconômico. Segundo BEHRING E BOSCHETTI (2010: 47)
Não se pode indicar com precisão um período específico de surgimento das primeiras iniciativas de políticas sociais, pois, como processo social, elas se gestaram na confluência dos movimentos de ascensão do capitalismo com a Revolução Industrial, das lutas de classe e do desenvolvimento da intervenção estatal. Sua origem é comumente relacionada aos movimentos de massa social-democratas e ao estabelecimento dos Estados-nação na Europa Ocidental do final do século XIX, mas sua generalização situa-se na passagem do capitalismo concorrencial para o monopolista, em especial na sua fase tardia, após a Segunda Guerra Mundial (pós-1945).

Para melhor compreender a relação entre políticas sociais e o Estado neoliberal, partiremos de estudos já realizados sobre o presente tema e, além disso, usaremos como base teórica neste estudo a contribuição da tradição marxista.
Desse modo, o estudo das políticas sociais deve partir do principio de que estas não devem ser explicadas a partir de sua imediaticidade ou como fato isolado. Assim, o enfoque está em situar e analisar os fenômenos sociais em seu complexo e contraditório processo de produção e reprodução das relações sociais.
Procura-se aqui entender e analisar as políticas sociais imbricadas num determinado período histórico, e formadas por múltiplas causas na perspectiva de totalidade. E é partindo desse princípio que se pode melhor captar a dinâmica do capitalismo liberal, tendo sempre como orientação a história e os processos dela decorrentes.

ESTADO, MERCADO E POLÍTICAS SOCIAIS

Ao analisar-se as políticas sociais como conseqüência e/ou expressões multifacetadas da questão social e de suas múltiplas refrações, fica explícito que estas são resultados de processos histórico-contraditórios, os quais são inerentes ao modo de produção capitalista.
           Neste sentido, têm-se sempre embates políticos de luta de classes, pela garantia de direitos e efetivação destes. Doravante, em se tratando de política social, o neoliberalismo sempre a redireciona para o corte do gasto público e/ou social, a desativação dos programas já existentes e a redução da responsabilidade do Estado. Desta forma, a redução acaba tomando uma proporção de universalidade e os graus de cobertura dos programas sociais são deslocados do campo dos direitos sociais.
Em outras palavras, pode-se entender que a característica principal do Estado neoliberal é de reestruturação dos programas sociais através da descentralização, que visa acelerar a eficiência e a eficácia do gasto estatal.
Sendo assim, um dos principais instrumentos para isso será a privatização, pois ela permite maior deslocamento da produção e distribuição dos bens e serviços públicos para diferentes setores, como o privado e o não lucrativo (terceiro setor), isto é, pensando em termos concretos, significa que assim o governo fica desresponsabilizado de suas obrigações sociais, reafirmando, desta forma, a política do “Estado mínimo”.
A partir desta perspectiva, coloca COUNTINHO (2007: 5)
Na conjuntura em que estamos imersos, as classes trabalhadoras — por muitas razões, entre as quais a chamada “reestruturação produtiva”, que pôs fim ao fordismo e, portanto, às formas correspondentes de organização dos operários — têm sido obrigadas a se pôr na defensiva: suas expressões sindicais e político-partidárias sofreram assim um evidente recuo na correlação de forças com o capital.  [...] A luta de classes, que certamente continua a existir, não se trava mais em nome da conquista de novos direitos, mas da defesa daqueles já conquistados no passado.

Em resposta a citação supra-referida, pode-se compreender a luta de classe como resposta as ações empreendidas pelo Estado, pois estas estão dotadas de um viés de focalização, como fruto direto da reestruturação, que visa o gasto social a programas e público alvo específico, ou seja, escolhido de forma seleta, conforme a urgência da demanda apresentada.
 Para COUTINHO (2007: 5)
Na época neoliberal, não há espaço para o aprofundamento dos direitos sociais, ainda que limitados, mas estamos diante da tentativa aberta — infelizmente em grande parte bem sucedida — de eliminar tais direitos, de desconstruir e negar as reformas já conquistadas pelas classes subalternas [...] As chamadas “reformas” da previdência social, das leis de proteção ao trabalho, a privatização das empresas públicas, etc. — “reformas” que estão atualmente presentes na agenda política tanto dos países capitalistas centrais quanto dos periféricos (hoje elegantemente rebatizados como “emergentes”) — têm por objetivo a pura e simples restauração das condições próprias de um capitalismo “selvagem”, no qual devem vigorar sem freios as leis do mercado.

A regulação neoliberal, que fundamenta a orientação da globalização vigente, supõe quebra do Estado, o qual deve ser mínimo, ser flexível por conta do mercado e da competição privada.
Nesse sentido, as teses neoliberais consistem numa perspectiva de intervenção mínima no que tange a ação do Estado em setores públicos como, educação, saúde, habitação, previdência social, assistência, segurança, etc., a lógica vigente, está voltada para o Estado mínimo. Isto é, vai haver uma redução significativa e/ou corte dos direitos sociais, na qual a precarização dos bens públicos fica evidente no decorrer da história.
Desta maneira, para Netto (1992: 51)

As políticas sociais e a formatação de padrões de proteção social são desdobramentos e até mesmo respostas de enfretamento – em geral setorializadas e fragmentadas – às expressões multifacetadas da questão social no capitalismo, cujo fundamento se encontra nas relações de exploração do capital sobre o trabalho.

Assim, os neoliberais irão defender a redução do Estado, sendo o melhor mecanismo para os indivíduos reconquistarem o mercado. Desta forma, o mercado é o lugar de riqueza, e a atuação do mercado prejudica a economia, e se o Estado não intervém é melhor, haja vista que a intervenção estatal é antieconômica e desestimula o trabalhador a trabalhar, o Estado burocrático (estatizado) é sempre visto como improdutivo.
Ou como bem coloca ANDERSON (1995: 2) os ideólogos do neoliberalismo,
[...] argumentavam que o novo igualitarismo (muito relativo, bem entendido) deste período, promovido pelo Estado de bem-estar, destruía a liberdade dos cidadãos e a vitalidade da concorrência, da qual dependia a prosperidade de todos. Desafiando o consenso oficial da época, eles argumentavam que a desigualdade era um valor positivo – na realidade imprescindível em si –, pois disso precisavam as sociedades ocidentais.

Coerentes com estes postulados, poucos desses direitos são efetivados no contexto neoliberal. Ao contrário, tais direitos são alvos de ataques pela classe dirigente do Estado e também do capital, desta maneira, o ataque é denominado neoliberalismo, que usa a modernização, o progresso como pretexto para a acumulação capitalista se reafirmar.
Cabe, nesse momento, destacar que para atender as exigências neoliberais, o Estado redireciona seu investimento para setores de estrutura e infraestrutura do capital, o qual segue as diretrizes de fazer transferência de investimentos que antes eram direcionados ao setor público, mas que com a nova lógica vigente esses vão para o setor privado.
Para ANDERSON (1995: 1) o neoliberalismo[1] “foi uma reação teórica e política veemente contra o Estado intervencionista e de bem-estar”.
A partir do já mencionado, começa-se a entender a maneira dos liberais de lidar com os serviços e políticas públicas, onde o ponto forte é o financiamento destas políticas, é neste sentindo que acontece um retrocesso no que concerne investimento em setores públicos.
Em outros termos, houve nesse contexto uma drástica redução desses recursos em gastos públicos, o que nos leva a conclusão de que isso significa menor demanda de investimentos em serviços sociais populares, assim, a perda de direitos básicos e serviços de qualidade se perderam ao longo do tempo.
É inegável que dentre a série de fatores resultantes das políticas adotadas pelos liberais o mais significativo tem sido o agravamento da questão social. O contexto social em que esta é produzida, no desemprego e no subemprego traduz a sua mais límpida expressão.
HARVEY (2003) analisa a trajetória do desenvolvimento capitalista, abordando sob diferentes pontos de vista as várias faces desse modo de produção.
Destaca-se, assim, a questão que envolve a longa sobrevivência desse modo estrutural de produção e suas crises e consequentemente, suas formas de desigualdades como um dos pontos fundamentais no processo de sustentação e manutenção.
É preciso frisar, a seguinte questão, o capital cria condições e/ou espaços que culminam na sua sobrevida como, por exemplo, a sua principal característica, a desigualdade social e suas várias formas de exploração.
Sendo assim, cabe destacar que diante desse quadro torna-se comum a forma como o processo de expansão vem se dando ao longo da história, cria-se meios que facilitarão a expansão do capital e em contrapartida a perda de direitos socialmente e historicamente construídos.
Ou como bem coloca HARVEY (2003: 12),
A produção do espaço, a organização de novas divisões territoriais de trabalho, a abertura de novos e mais baratos complexos de recursos, de novos espaços dinâmicos de acumulação de capital, e a penetração em formações sociais pré-existentes pelas relações sociais capitalistas e acordos institucionais (tais como regras contratuais e acordos de propriedade privada) são formas de absorver excedentes de capital e mãode-obra.

Percebe-se que sob o prisma neoliberal, o Estado tem como foco a redução das políticas sociais universais e o não reconhecimento de direitos sociais como direitos inerentes ao homem pelo simples fato do mesmo fazer parte da sociedade.
O que segundo Soares (2003: 12), dentro do contexto da globalização neoliberal, 
A filantropia substitui o direito social; os pobres substituem os cidadãos; a ajuda individual substitui a solidariedade coletiva; o emergencial e o provisório substituem as políticas públicas; o local substitui o regional e o nacional. É o reinado do minimalismo no social para enfrentar a globalização no econômico.

Verifica-se dentro dessa perspectiva, que as políticas sociais tornam-se mercadorias na medida em que para ter acesso a bens e serviços de melhor qualidade é preciso está inserido no mercado de trabalho, e percebe-se de forma clara a mercantilização do que é direito do homem enquanto cidadão, visto que ao inserir as políticas sociais nessa lógica capitalista perversa é uma das maneiras de fortalecimento do capital, na medida em que, o setor privado fortalece-se enquanto que o público fica sucateado.

CONCLUSÃO
Após esta sintética reflexão da concepção de Estado e de políticas sociais no neoliberalismo tendo como orientação os autores citados, penso ser oportuno relembrar alguns pontos fundamentais para nossa compreensão final.
Desta forma, conclui-se que essas desigualdades no que concernem direitos sociais como pertencentes ao homem faz parte do capitalismo neoliberal, onde o Estado tem por objetivo atender os interesses da burguesia, e em contrapartida a despolitização da classe trabalhadora em geral, e por fim, promover o desmonte das políticas sociais e o corte em gastos públicos, resultando assim, na continuidade do capitalismo enquanto sistema contraditório e de relações dialéticas e/ou interesses distintos, sistema esse sujeito tanto a avanços quanto retrocessos.
Assim, o então processo de redefinição de políticas públicas para uma sociedade reflete os conflitos de interesses distintos, os arranjos feitos nas esferas de poder que perpassam e se entrelaçam às instituições do Estado e da sociedade.
Esta nova modalidade tem como desdobramentos as ações filantrópicas, onde as políticas sociais são substituídas por programas de combate à pobreza, onde as responsabilidades do Estado são redistribuídas ao terceiro setor e, além disso, as políticas sociais passam a ser fundamentada em ações focalizadas e no autofinanciamento substituindo assim a universalização destas. 
Desta maneira, a questão social, portanto, tende a ser externalizada e transferida para a imediaticidade e para a esfera do individualismo. Em outras palavras, ocorre uma mudança de modo significativo no trato da questão social e nas suas múltiplas expressões.
Como assinala Laurell (1995), as políticas sociais de inspirações neoliberais criadas e distribuídas entre todos os cidadãos com os direitos à seguridade social e serviços iguais a todos, são esquecidos ao se abandonar os princípios de solidariedade, regidos por critérios de lucro e equivalência, onde são transferidos vultosos fundos públicos para o setor privado ao invés de utilizá-los com critério social de solidariedade.
Esse sistema pode ter efeitos desejados no que diz respeito ao crescimento da economia, no que concerne à expansão dos serviços privados, mas não produzira um desenvolvimento social homogêneo e/ou equidade social, já que enfraquece os programas públicos de subsídio aos mais pobres e privando-os do direito de ter acesso às políticas públicas de forma equânime, isto é, onde esse cidadão não seja privado dos seus direitos sociais.
Diante do exposto, pode-se concluir afirmando que ao longo deste artigo procurou-se trazer uma análise reflexiva sobre o desmonte das políticas sociais sob o prisma neoliberal e o processo de transformação dessas políticas em mercadoria. Além disso, o presente trabalho nos faz pensar como que ao longo da história se fortaleceram as relações entre Estado, sociedade e mercado que, dialeticamente, destroem e reconstroem padrões favoráveis à reafirmação do projeto burguês.

REFERÊNCIA

ANDERSON, Perry. “Balanço do Neoliberalismo”. In SADER, E. & GENTILI, P. (orgs) Pós-neoliberalismo: As políticas Sociais e o Estado Democrático. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995, pp. 9-23.

BEHRING, Elaine Rossetti; BOSCHETTI, Ivanete. Política Social: fundamentos e história. 7ª. Ed. São Paulo: Cortez, 2010.

COUTINHO, Carlos Nelson. A época neoliberal: revolução passiva ou contra-reforma? Disponível em: < http://laurocampos.org.br/2008/06/a-epoca-neoliberal-revolucao-passiva-ou-contra-reforma/>. Acesso em junho de 2013.

 

HARVEY, David. O “novo imperialismo”: acumulação por desapossamento – parte II (David Harvey) Disponível em: < http://www.pucsp.br/neils/downloads/v15_16_david_harvey.pdf >. Acesso em: maio de 2013.

LAURELL, Asa Cristina (org.).  Estado e Políticas Sociais no Neoliberalismo. São Paulo: Cortez, 1995.

NETTO, José Paulo. Capitalismo Monopolista e Serviço Social. São Paulo: Cortez, 1992.

SOARES, Laura Tavares. O Desastre Social. São Paulo: Rio de Janeiro: Editora Record, 2003.



[1] Segundo ANDERSON (1995: 1) “O neoliberalismo nasceu logo depois da II Guerra Mundial, na região da Europa e da América do Norte onde imperava o capitalismo. Foi uma reação teórica e política veemente contra o Estado intervencionista e de bem-estar. Seu texto de origem é O Caminho da Servidão, de Friedrich Hayek, escrito já em 1944. Trata-se de um ataque apaixonado contra qualquer limitação dos mecanismos de mercado por parte do Estado, denunciada como uma ameaça letal à liberdade, não somente econômica, mas também política.”

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