domingo, 20 de agosto de 2017

Política Social: a façanha neoliberal contemporânea para campo do direito social
Mirian de Freitas da Silva
Resumo:
O artigo em tela objetiva a luz dos autores aqui referenciados (Telles, 1999; Netto, 2011; Behring; Boschetti, 2010; Wacquant, 2008, dentre outros) ─ abordar o surgimento das políticas sociais, bem como as funções assumidas por estas no decorrer da ascensão do modo de produção capitalista. Além disso, buscou-se analisar a forma como os direitos sociais são pensados e materializados a partir da lógica neoliberal contemporânea. Para isso, a presente análise ressalta a necessidade de refletir criticamente sobre o processo de constituição e redefinição dos direitos sociais sob a ótica do viés neoliberal, destaca expressões como a moralização da Questão Social, individualização, fragmentação e marginalização da classe trabalhadora frente às demandas sociais em curso.

Palavras-chave: Políticas Sociais, Direitos Sociais, Questão Social, Neoliberalismo

Introdução

O surgimento das primeiras iniciativas de intervenção por parte do Estado na Questão Social ─ compreendida aqui como processo histórico, materializada e vivida a partir da relação trabalho versus capital ─ deu-se via políticas sociais, estando, portanto, sua natureza intrinsecamente vinculada aos processos desiguais de desenvolvimento social, político, econômico e cultural gestado com a ascensão das sociedades capitalistas, sendo, portanto, necessário buscar compreendê-las a partir desses processos desiguais que se reafirmaram no desenvolver dessa estrutura social excludente que gerou inúmeros movimentos sociais que lutaram e lutam contra as mais diversas formas de submissão social, principalmente, aquelas mascaradas pela palavra pobreza que, muitas vezes, está associada a falta de disposição ao trabalho e não como resultante da exploração absoluta da força de trabalho, que conduz, inexoravelmente, em acessos desiguais a bens e serviços no âmbito do mercado que envolvem, claramente, também acessos desiguais a bens e serviços sociais.
Assim, em razão das lutas travadas pelos movimentos sociais o Estado assumiu o papel central na oferta e distribuição daqueles bens sociais. E para cumprir o seu papel, o Estado construiu um arcabouço robusto de políticas sociais que envolvem a saúde, a educação, a previdência, a segurança, dentre outras.
Contudo, essa construção não se fez de um dia para outro. Pode-se denotar que somente em 1988 inaugura-se, no caso brasileiro, políticas sociais públicas oficialmente reconhecidas. Até então, vimos que os direitos à assistência existiam somente para aqueles que contribuíam para o sistema da previdência. Não é incomum termos na literatura a expressão que resume esse período, que é a “Cidadania Regulada”, conceito desenvolvido por Wanderley Guilherme dos Santos, em seu livro “Cidadania e Justiça” (1975) ao analisar o processo de cidadania construído no Brasil.
Para Telles (1994), Carvalho (2001) e Santos (apud Monnerat, 2009) o foco na compreensão e análise das políticas sociais no período de 1930, reafirma que a maior parte da população foi incorporada à proteção pela via do trabalho, o que reafirma uma integração seletiva que Santos (1975) denominou “cidadania regulada”.
O conceito de cidadania analisado por Santos encontra-se amalgamado a lógica privada de concessão dos direitos de cidadania, em que garante apenas o direito para algumas categorias de profissionais que estivessem inseridos no mercado formal de trabalho, não contemplando grandes parcelas da população em situação desigual de acesso a bens e serviços públicos, como saúde, educação, habitação, saneamento, etc.,
Frente as transformações sociais em curso, a pobreza apresenta-se sob velhas e novas expressões, e é inegável a necessidade de tratar e reconhecer suas  metamorfoses como questão social, produto da divisão social desigual firmada na sociedade brasileira, sendo, portanto, preciso deixar de lado seu trato de forma privada e individualizada, colocando como desafio responder as necessidades diversas como produtos históricos, pensados a partir do campo do direito social.
Para isso, faremos uso de alguns referenciais teóricos encontrados na ampla literatura de análise do campo das políticas sociais, principalmente aquelas vinculadas ao entendimento das políticas sociais enquanto direito do cidadão, contudo, vale ressaltar que essa temática evidência o desafio e a necessidade de se debater e se construir reflexões críticas com base em nosso cotidiano, já que é a partir das relações que são travadas no dia a dia é que se dá a efetivação dessas políticas. Assim, ao tomar essas questões para objeto de estudo, acredita-se que possamos contribuir com novos elementos que venham a dar base e a reafirmar o papel das políticas sociais como políticas garantidoras de direitos.


1. Política Social: da face do direito político ao consenso construído pelo Estado

A noção de análise das políticas sociais deve necessariamente passar pela compreensão destas como ações que determinam o padrão de proteção social implantado pelo Estado, voltadas, em princípio, para a redistribuição dos benefícios sociais tendo como meta a redução das desigualdades estruturais produzidas pelo desenvolvimento sócio-econômico.
De acordo com Behring e Boschetti (2010: 47)


Não se pode indicar com precisão um período específico de surgimento das primeiras iniciativas de políticas sociais, pois, como processo social, elas se gestaram na confluência dos movimentos de ascensão do capitalismo com a Revolução Industrial, das lutas de classe e do desenvolvimento da intervenção estatal. Sua origem é comumente relacionada aos movimentos de massa social-democratas e ao estabelecimento dos Estados-nação na Europa Ocidental do final do século XIX, mas sua generalização situa-se na passagem do capitalismo concorrencial para o monopolista, em especial na sua fase tardia, após a Segunda Guerra Mundial (pós-1945).


A partir dessa perspectiva, o estudo das políticas sociais pressupõe que estas não devem ser explicadas a partir de sua imediaticidade, como fato isolado ou até mesmo como um acontecimento natural. Assim, o enfoque está em situá-las e analisá-las como fenômeno social que envolve um complexo e contraditório processo de produção e reprodução das relações sociais, sendo, portanto as políticas sociais processo histórico e de luta da classe trabalhadora que são concedidas e, ou, conquistadas quando a classe trabalhadora exige do Estado e do empresariado direitos sociais antes não reconhecidos, assim, ao atender a essas reivindicações a Questão Social, expressa aqui a partir da relação capital versus trabalho torna-se uma questão pública, isto é, saí da esfera privada e passa a ser reconhecida como questão política.
Acerca disso, Netto (2011), também vai ressaltar o surgimento das políticas sociais a partir do desenvolvimento do capitalismo monopolista, além disso, ele destaca que nesse contexto as políticas sociais assumem funções políticas, funções de consenso e até mesmo de reprodutoras de valores e ideologias dominantes.
           Assim, segundo Behring e Boschetti (2010: 36),

A análise das políticas sociais como resultados de relações complexas e contraditórias que se estabelecem entre Estado e sociedade civil, no âmbito dos conflitos e da luta de classes que envolvem o processo de produção e reprodução do capitalismo, recusa a utilização de enfoques restritos ou unilaterais, comumente presentes para explicar sua emergência, funções ou implicações.

Nesse sentido, a política social, deve ser compreendida como um dos principais meios de intervenção do Estado nas expressões da Questão Social ─ como mencionado, esta é o resultado da capacidade de mobilização e organização da classe operária e, ou, trabalhadora, que o Estado atende a suas demandas como estratégia para reproduzir e manter o sistema de exploração, preservando e controlando a mercadoria mais preciosa para o modo de produção capitalista ─ força de trabalho. (NETTO, 2011)
Ora, ressalta Netto (2011, p. 26)

Está claro, assim que o Estado foi capturado pela lógica do capital monopolista  ─ ele é o seu Estado; tendencialmente, o que se verifica é a interação orgânica entre os aparatos privados dos monopólios e as instituições estatais. [...] o Estado funcional ao capitalismo monopolista é, no nível das suas finalidades econômicas, o ‘comitê executivo’ da burguesia monopolista  ─ opera para propiciar o conjunto de condições necessárias à acumulação e à valorização do capital monopolista.

Em outros termos, a funcionalidade essencial da política social está em preservar e controlar a força de trabalho como condicionante de reprodução do modo de produção capitalista  ─ e isto é inegável, o Estado compartilha a reprodução da força de trabalho por intermédio das políticas sociais, além disso, Netto vai sublinhar que a política social tem uma função integradora à ordem do capital/burguesa, materializado pela lógica do consenso, soma-se a isso o fato de que a política social é usada também como instrumento que subsidia o enfrentamento do subconsumo. Sendo, portanto, nesse sentido que se deve passar a apreensão das políticas sociais e sua face assumida no Estado da era dos monopólios.
Assim, o Estado vai assumir a Questão Social como questão política, portanto pública, entretanto o trato das diversas expressões daquela não tem como prioridade enfrentar de fato a sua verdadeira essência, ou seja, o Estado vai responder de maneira fragmentada, individualizada, usando muitas vezes até o viés da moralização (Wacquant, 2008) no seu enfrentamento.
Ora, as políticas sociais por não ter em seu horizonte o enfrentamento da desigualdade social, a fragmenta, como já mencionado e dar respostas setorializadas, a exemplo da política de saúde, educação, assistência, habitação, segurança pública, entre tantas outras, em que cotidianamente muitas vezes elas não se articulam para dar respostas as diversas expressões da Questão Social em sua totalidade. O fato é ─ existe toda uma estrutura que busca ressignificar o universo do cotidiano a partir do campo da individualização e moralização da Questão Social, busca na pobreza os elementos subjetivos, individualiza a pobreza ─ a Questão Social passa a ser pensada de maneira psicologizada, administra a pobreza, mas não a compreende e dar respostas a partir de sua gênese.

1.2 A Façanha Neoliberal para o Campo do Direito Social

A façanha neoliberal se fortalece a partir do discurso de que o campo social deve ser redefinido, argumento esse que sem dúvidas, objetiva fortalecer o sistema capitalista. A perspectiva assumida pelos defensores dessa ideologia vai ao encontro da lógica de culpabilização e moralização do sujeito, assim, os princípios do neoliberalismo desconsideram a conjuntura social excludente como responsável pelas fragilidades no campo social e busca de forma veementemente a negação do direito social.
A contradição principal que envolve os defensores do neoliberalismo reside em desconsiderar que o modo de produção capitalista é um sistema que por natureza/essência produz um modo de vida desigual e excedente ─ a riqueza que é socialmente produzida torna-se cada vez mais centralizada para poucos ─ enquanto àqueles que participam de seu processo de produção ─ a classe trabalhadora encontra-se “as margens” do sistema/do mercado.
Telles, (1999, p.1) no texto “Direitos Sociais[1]: afinal do que se trata?” ─ Ressalta que essa pergunta que move toda a ideia de construção do seu trabalho,

não é retórica. Tampouco trivial. Significa, de partida, tomar a sério as incertezas dos tempos que correm. Pois falar dos direitos sociais significa falar dos dilemas talvez mais cruciais do Brasil (e do mundo) contemporâneo. Suscita a pergunta ─ e dúvida ─ sobre as possibilidades de uma sociedade mais justa e mais igualitária.

            O texto da autora é fundamental, já que dispõe de subsídios teóricos que facilitam a análise e compreensão das transformações sociais em curso tanto no diz respeito ao campo do direito social quanto da conjuntura social, política e econômica. E é a partir dessa perspectiva que se busca aqui compreender o campo do social e os desafios impostos no contexto liberal contemporâneo.
De acordo com Telles, (1999, p.2) na realidade brasileira a

concepção universalista de direitos sociais foi incorporada muito tardiamente, apenas em 1988, na nova Constituição, que é uma referência política importante em nossa história recente, que foi celebrada (e hoje é contestada) como referência fundadora de uma modernidade democrática que permeia enterrar de vez 20 anos de governos militares.

            E é efetivamente nesse contexto ─ neoliberal contemporâneo ─ que a pobreza tem se manifestado de forma cada vez mais visível e seu trato tem sido radicalmente redefinido dentro do campo dos direitos sociais.  O Brasil, por exemplo, passa a vivenciar de maneira efetiva, a gestação e efetivação de iniciativas neoliberais nos governos dos ex-presidentes da República Fernando Collor (1990-1992) e Fernando Henrique Cardoso (FHC/1995-2002) ─ em que o campo do direito social e, consequentemente das políticas sociais ganham novos contornos ─ ela acaba sendo direcionada a uma lógica de redistribuição de gastos do setor público para o privado, é nesse período também que a sociedade brasileira assiste o corte de gastos públicos e, ou, social, a desativação dos programas já existentes e a redução da responsabilidade do Estado, tudo isso em nome do discurso de que o indivíduo deve buscar junto ao mercado o seu lugar e que ao fazer isso, resultará num bem comum, um discurso minimalista, frágil e incapaz de explicar as desigualdades sociais produzidas pela exploração da classe trabalhadora ─ por meio da exploração do seu trabalho.
            Desta forma, a redução acaba tomando uma proporção de universalidade e os graus de cobertura dos programas sociais são deslocados do campo dos direitos sociais para o campo do direito privado, sendo a situação de pobreza uma responsabilidade do indivíduo ─ vivência-se a clara moralização da Questão Social, o Estado nesse contexto compromete-se apenas em ofertar, de maneira minimalista e fragmentada, acessos que, quando muito, são capazes apenas de retirar a condição imediata de fome, mas, não de oferecer um caminho seguro para fora da pobreza.
Wacquant (2001 apud Raichelis 2006, p. 37) destaca a

concepção moralista e moralizadora que hoje organiza as formas pelas quais são enunciadas as ameaças representadas pelas manifestas e crescentes distâncias sociais e culturais entre os deserdados e os vencedores da sociedade de mercado, ao responsabilizarem os pobres pela sua condição de pobreza e exclusão. (p. 38)

Em estudos sobre os guetos norte-americanos e as periferias francesas, Wacquant analisa a nova realidade da pobreza e da destituição social existentes nas grandes metrópoles. Destaca a marginalidade avançada, sua nova face, vivenciada pelos pelo encarceramento social excludente e de um intenso processo de “marginalização que surgiram – ou intensificaram-se [...] não pelo atraso, mas pelas transformações desiguais e desarticuladas dos setores mais avançados das sociedades e sistemas econômicos”. (WACQUANT, 2001 apud RAICHELIS, 2006, p. 36).
Assim, é importante destacar que o estudo de Wacquant oferece ferramentas analíticas para compreender o trato moralizador da pobreza num contexto de crescente marginalização e destituição dos direitos sociais da classe trabalhadora.
Para Telles (1999, p.1) há uma clara descaracterização da

noção de direitos, desvinculando-os do parâmetro da justiça e da igualdade, fazendo-s deslizar em um campo semântico no qual passam a ser associados a custos e ônus que obstam a potência modernizadora do mercado, ou então a privilégios corporativos que carregam anacronismos que precisam ser superados para que o país possa integrar nos circuitos globalizados da economia.

Nesta perspectiva, as ações empreendidas pelo Estado sob o ideário neoliberal passam a ter um viés de focalização, desconsidera os elos históricos estruturais e individualiza a compreensão e o trato da pobreza ─ resultado esse do processo de reestruturação produtiva que tem refletido direto no mundo do trabalho e para o campo de investimentos em programas sociais.
Assim, o que vigora sob essa lógica é a abordagem das desigualdades sociais de forma individualizada, em que o indivíduo é escolhido de forma seleta, conforme a urgência da demanda apresentada existe uma clara ausência de trabalho com perspectiva de longo alcance, o que suscita a necessidade de pensar as ações preventivas no campo das políticas sociais.
Desta maneira, para Netto (1992, p. 51),

As políticas sociais e a formatação de padrões de proteção social são desdobramentos e até mesmo respostas de enfretamento – em geral setorializadas e fragmentadas – às expressões multifacetadas da questão social no capitalismo, cujo fundamento se encontra nas relações de exploração do capital sobre o trabalho.

A regulação neoliberal, que fundamenta a orientação da globalização do capital, isto é, processo de expansão e internacionalização do capital,  (SANTOS, 1993), supõe a quebra do Estado, o qual deve ser mínimo, ser flexível por conta do mercado e da competição privada.
É inegável a primazia que é dada pelos neoliberais ao setor privado e, em contrapartida a adoção de medidas que visa a redução de investimento no campo das políticas sociais, (a exemplo, da saúde, assistência e educação) e a consequência dessas medidas tem sido o agravamento da Questão Social.
O progresso capitalista e a organização social, presente nesse modelo, estão embebedadas de “relações sociais complexas e contraditórias”, e que na visão de Netto (1996), estas questões são resultado das contradições trazidas pelo desenvolvimento capitalista, atingindo em graus diferenciados tanto a esfera econômica quanto a social.
De acordo com Faleiros (1999), os Estados favorecem mais os interesses do capital que a defesa dos direitos no âmbito social. Assim, o novo contrato social imposto pela economia globalizada torna o indivíduo menos seguro, menos protegido, mais competitivo no mercado de trabalho e sem nenhum direito garantido e assegurado, sendo esse o usuário das políticas sociais. 
Nesse sentido, é importante que se volte para o debate acerca da relevância das políticas sociais no que diz respeito ao trato da Questão Social como fruto do processo de reestruturação dessas políticas (Questão Social, como sinônimo de desproteção social, ausência de acesso a direitos, exclusão e pobreza (Mota, 2008, apud Cunha, 2009). 
Assim, ao apontar a Questão Social como referência para o desenvolvimento das políticas sociais, coloca-se em evidência a disputa pela riqueza socialmente construída em nossa sociedade. Para Yazbek (2001), diante das transformações sociais em curso, a Questão Social se reformula e se redefine, mas permanece substantivamente a mesma por se tratar de uma questão estrutural que não se resolve numa formação econômico social por natureza excludente.
Portanto, a gênese da Questão Social pode ser situada na segunda metade do século XIX, vinculada do ponto de vista da história “à questão da exploração do trabalho, (...) à organização e mobilização da classe trabalhadora na luta pela apropriação da riqueza social” ─ ao lutar pelo reconhecimento dos direitos sociais, como, por exemplo, direito ao trabalho, direito ao salário igual por trabalho igualmente produzido, direito à previdência social em caso de doença, velhice, desemprego, direito a ter uma vida digna, direito ao lazer, a educação, a saúde, a viver em segurança, entre tantos outros direitos, ou seja, a busca do direito a ter direito e a desfrutar desses direitos no cotidiano da vida. (PASTORINI, 2004 p. 110)
De acordo com Telles (1999, p. 3-4),

talvez seja preciso deslocar o terreno da discussão e repensar os direitos sociais não a partir de sua fragilidade ou da realidade que deixaram de conter, mas a partir das questões que abrem e dos problemas que colocam. [Diante disso, faz-se necessário] colocar os direitos na ótica dos sujeitos que os pronunciam significa de partida, recusar a ideia corrente de que esses direitos não são mais do que a resposta a um suposto mundo das necessidades e das carências. [...] para além das garantias formais inscritas na lei, os direitos estruturam uma linguagem pública que baliza os critérios pelos quais os dramas da existência são problematizados em suas exigências de equidade e justiça.

Efetivamente os direitos sociais pressupõem a busca por uma sociedade mais igualitária, com leis e deveres que contemple de igual maneira todos os sujeitos, diz respeito não só as condições de vida, mas como se estrutura o acesso a bens e serviços públicos, podem ser compreendidos como singulares e universais, já que contempla não só o indivíduo, mas a todos os cidadãos caracterizados pela Constituição Federal de 1988 como direitos sociais universais, envolve embates políticos e lutas por seu reconhecimento cotidianamente, a essência dos direitos sociais como bem suscita Telles deve ser buscada a partir da ótica dos atores/sujeitos sociais que os pronunciam é compreender e dar historicidade como conquista que deve ser permanentemente discutida e construída pelos atores sociais e profissionais engajados em construir uma sociedade mais justa e equânime, uma sociedade em que todos sejam de fato iguais não só perante as leis, mas na realidade corrente da vida.


Considerações finais

A partir dos elementos constitutivos desta análise, foi possível constatar e compreender as funções assumidas pelas políticas sociais na esfera das relações sociais firmadas no modo de produção capitalista.
Outro ponto a ser destacado é a maneira como o Estado vai enfrentar a Questão Social no contexto da era dos monopólios, o Estado fragmenta, moraliza e individualiza o trato das desigualdades sociais ao dar respostas setorializadas as suas diversas expressões.
Identificamos também que os direitos sociais é um campo de luta, portanto de conflitos ─ e o reconhecimento e sua plena materialização deve necessariamente se dá por intermédio de discussão e lutas que contemple principalmente os sujeitos sociais que os reivindicam.
Portanto, torna-se primordial retomar o papel das políticas sociais como instrumento que possibilite o enfrentamento dos reflexos da Questão Social, visto que as políticas sociais, devido a uma cultura política forjada pela lógica neoliberal contemporânea, não tem contribuído para a autonomia econômica e política dos trabalhadores pauperizados, o que consequentemente vem reiterando a condição subalternizada e precarizada desses sujeitos.

Referência bibliográfica
BEHRING, Elaine Rossetti; BOSCHETTI, Ivanete. Política Social: fundamentos e história. 7ª. Ed. São Paulo: Cortez, 2010.

NETTO, José Paulo. Capitalismo monopolista e Serviço Social. São Paulo, Cortez, 2011.

PASTORINI, Alejandra. A categoria “questão social em debate”. Questões da nossa época. São Paulo: Cortez, 2004.

RAICHELIS, Raquel. Gestão Pública e a Questão Social na Grande Cidade. Lua Nova, São Paulo, 13-48, 2006. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ln/n69/a03n69.pdf. Acesso em: 10 de março/2016.

Santos, W. G. Cidadania e Justiça. Rio de Janeiro. Campus Editora, 1975.

TELLES, Vera da Silva. DIREITOS SOCIAIS: afinal do que se trata? In: Direitos Sociais: afinal do que se trata? Belo Horizonte: Editora da UFMG, 1999. Disponível em: http://www.veratelles.net/wp-content/uploads/2013/04/1996-Direitos-sociais1.pdf. Acesso em: Abril/2016.

YAZBEK, Maria Carmelita. Estado e Políticas Sociais. 2001. Disponível em < http://www.ess.ufrj.br/ejornal/index.php/praiavermalha/article/viewFile/39/24 > Acesso em 10 de maio de 2012.

WACQUANT, Loïc . O lugar da prisão na nova administração da pobreza. NOVOS ESTUDOS CEBRAP. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/nec/n80/a02n80.pdf. Acesso: Abril/2016.









[1] Para maior compreensão sobre a origem e desenvolvimento dos "Direitos Civis - Sec. XVIII; Direitos Políticos - Sec. XIX; Direitos Sociais - Sec. XX ─ ver MARSHALL, T.H. Cidadania e classe social. in: MARSHALL, T.H. Cidadania, classe social e status. Rio de Janeiro: Zahar, s.d.p. 57-114.
Breve Análise do Modo de Produção Capitalista: entre avanços econômicos e retrocessos sociais
Mirian de Freitas da Silva
Resumo

A análise histórica do desenvolvimento do modo de produção capitalista possibilita identificar vários aspectos abordados sob os mais variados pontos de vista no contexto contemporâneo. A questão que envolve a dicotomia entre desenvolvimento social e econômico e subdesenvolvimento tem se apresentado como um dos pontos fulcrais do debate. E é a partir desta perspectiva que se analisa aqui o fenômeno da globalização do capital, vinculando-o ao processo de aguçamento das desigualdades sociais, bem como o papel assumido pelo Estado nesse contexto e por fim, busca articular esses elementos ao processo de mercadorização das políticas sociais sob o prisma do neoliberalismo.

Palavras chave: Modo de produção capitalista, desenvolvimento; subdesenvolvimento; políticas sociais


Introdução

O modo de produção capitalista expressa na contemporaneidade o seu processo de amadurecimento e de globalização – sendo este processo materializado não só por intermédio de riquezas, mas principalmente por meio do aguçamento das desigualdades sociais.
Com base no exposto, o artigo em tela versa sobre a compreensão do modo de produção capitalista como um sistema por essência desigual, ou seja, a própria natureza dinâmica do capitalismo o torna um sistema desigual. Além disso, busca-se articular o papel do Estado frente ao aguçamento das desigualdades sociais, bem como a natureza assumida pelas políticas sociais num contexto em que é possível observar um verdadeiro processo de mercadorização daquelas – contexto neoliberal.
Nesse sentido, pode-se apreender que o objetivo do capitalismo tanto no tempo como no espaço vai ser sempre o de transformar tudo ao seu redor em mercadoria, até mesmo o próprio homem se torna uma mercadoria dentro desse sistema de produção, à medida que alienado de suas faculdades reflexivas e, ou, práxis, o homem torna um produto do seu próprio trabalho, não sendo, capaz de se reconhecer como parte fulcral desse processo de globalização, mas principalmente como parte integrante da riqueza socialmente produzida e desigualmente distribuída.
Sendo assim, a construção deste artigo buscou aporte teórico em autores como Furtado (1961); Latouche (1994); Oliveira (2003); Siqueira (2010) Coutinho (2007); Netto (1992); Anderson (1995); Harvey (2003); Behing & Boschetti (2010). A partir desse referencial teórico foi possível estabelecer um diálogo crítico reflexivo acerca da temática ora exposta, em que objetivou problematizar e compreender o resultado das transformações sociais como parte estruturante do modo de produção capitalista, bem como seus impactos tanto no processo de desenvolvimento quanto no subdesenvolvimento social e econômico, este último vivenciado por grandes parcelas da população. Sendo, portanto, essa a temática a ser abordada nas linhas a seguir.

1. Globalização do Capital e seus Reflexos no Aguçamento das Desigualdades Sociais


HARVEY (2003) analisa a trajetória do desenvolvimento capitalista, abordando sob diferentes pontos de vista as várias faces desse modo de produção.
Diante disso, ele destaca a questão que envolve a longa sobrevivência desse modo estrutural de produção, suas crises e consequentemente, suas formas de desigualdades como um dos pontos fundamentais no processo de sustentação e manutenção.
É preciso frisar a seguinte questão, o capital cria condições e, ou, espaços que culminam na sua sobrevida como, por exemplo, a sua principal característica, a desigualdade social e suas várias formas de exploração. Compreendemos desigualdades sociais como sendo reflexo das múltiplas expressões da questão social[1], cuja gênese encontra-se na própria natureza do capital.
Sendo assim, cabe destacar que diante desse quadro torna-se comum a forma como o processo de expansão vem se dando ao longo da história, criam-se formas, e, ou, caminhos que facilitarão a expansão do capital e, em contrapartida, a perda de direitos socialmente e historicamente construídos.
Ou como bem coloca Harvey (2003: 12),

A produção do espaço, a organização de novas divisões territoriais de trabalho, a abertura de novos e mais baratos complexos de recursos, de novos espaços dinâmicos de acumulação de capital, e a penetração em formações sociais pré-existentes pelas relações sociais capitalistas e acordos institucionais (tais como regras contratuais e acordos de propriedade privada) são formas de absorver excedentes de capital e mãode-obra.

Percebe-se que na natureza e a própria dinâmica capitalista há uma constante produção de desigualdade que foi sendo construída e consolidada de maneira consciente e intencional para que favorecesse o seu processo de expansão social, econômica, política e cultural, alargando assim seu processo de expansão para todos os espaços da vida em sociedade.
É importante frisar que o mundo e as relações sociais geradas no capitalismo são extremamente desiguais, Latouche (1994) destaca em seu livro “A Ocidentalização do Mundo: ensaio sobre a significação, o alcance e os limites da uniformização planetária” – como o capitalismo se desenvolveu no mundo, em que evidencia o modo desigual desse sistema e ao mesmo tempo seu poder de dominar os diferentes espaços da vida humana.
Em outros termos, o modo de produção capitalista pode ser compreendido como sendo produtor hegemônico de modos de vida uniformizados, porém isso não nos leva a desconsiderar a essência desse modelo estrutural que se mostra cada vez mais desigual, à medida que cria ao se desenvolver grandes disparidades entre os homens, acesso desigual a bens e serviço. “A mundialização contemporânea das principais dimensões da vida não é um processo natural engendrado por uma fusão de culturas e de histórias. Trata-se ainda de dominação, com suas contrapartidas, sujeições, destruição [...]”. (LATOUCHE, 1994, p. 13)
Sendo, portanto, preciso compreender esses elementos como intrínsecos desse modelo. Nesse sentido, a expansão e, ou, desenvolvimento econômico alcançado pelo capital em sua fase contemporânea não tem expressado formas de acesso equânimes a classe trabalhadora - esta encontra-se cada vez mais num processo intenso de aviltamento de seus direitos sociais. O que nos leva a afirmar que o desenvolvimento econômico não tem materializado ou significado desenvolvimento social, este último compreendido como sendo a melhora na qualidade de vida dos cidadãos, nas formas de acesso a bens e serviço públicos, de políticas sociais de fato universais, na eliminação das formas de estratificação social, cultural, política e econômica.
Diante disso, pode-se entender que o desenvolvimento e o subdesenvolvimento são categorias que caminham juntamente nesse contexto estrutural. Entretanto, seus entendimentos perpassam por lógicas distintas, sendo o desenvolvimento propagado de sentido positivo e o subdesenvolvimento compreendido como elemento ruim e que deve ser extinto. Para isso, os países desenvolvidos, também conhecidos como países centrais são vistos como exemplos para os países que ainda encontram-se em situação de subdesenvolvimento ou, também conhecidos como emergentes, como, por exemplo, o caso do Brasil. Dentro dessa lógica, os países centrais culturaliza e mundializa a lógica de que para se alcançar tal nível de desenvolvimento é preciso seguir os ditames pelos quais eles passaram, é como se os países em subdesenvolvimento tivessem que seguir uma receita para alcançar o nível pleno de desenvolvimento. 
Diante dessa investida, fica claro que ao considerar esse caminho, os que defendem tal proposta desconsideram toda uma história de subalternidade e desenvolvimento ditado sobre relações de exploração e desigual entre esses países – desenvolvidos e subdesenvolvidos. “A dimensão histórica é necessária, não somente porque se trata de um processo que se realiza a longo prazo, em um prazo muito longo mesmo, mas também porque se enraíza em uma cultura.” (LATOUCHE, 1994, p. 16)
Nesse sentido, o elemento histórico é importante, pois é por intermédio da história que se torna possível compreender o processo de globalização do capital, difundido, principalmente pela lógica cultural de que todos os países são capazes de alcançar tal nível de desenvolvimento. Do exposto, pode-se apreender que o elemento imperativo nessa teia de relações é o elo simbólico que ainda se perpetua e alimenta tal esperança.
Para Furtado (1961, p. 158),

é necessário ter em conta que o desenvolvimento econômico dos últimos dois séculos, a Revolução Industrial – como corretamente lhe chamamos – constitui per se um fenômeno histórico autônomo. Com efeito: o advento de uma economia industrial na Europa, nos últimos decênios do século XVIII, ao provocar uma ruptura na economia mundial da época, representou uma mudança de natureza qualitativa, ao mesmo título da descoberta do fogo, da roda ou do método experimental.

Portanto, desconsiderar os elementos históricos que perpassam o desenvolvimento econômico é a mesma coisa que negar a história do modo de produção capitalista.
Ainda de acordo com Furtado (1961, p. 173) no que se refere ao subdesenvolvimento, este deve ser compreendido como “um processo histórico autônomo, e não uma etapa pela qual tenham, necessariamente, passado as economias que já alcançaram grau superior de desenvolvimento.” Portanto, torna-se incabível a teoria de que um país subdesenvolvido deve seguir determinados passos para alcançar o desenvolvimento, não existe receita, o que existe são diálogos entre o desenvolvimento social e econômico.
Oliveira (2003, p. 128) destaca que “o termo subdesenvolvimento não é neutro: ele revela, pelo prefixo “sub” que a formação periférica assim constituída tinha lugar numa divisão internacional do trabalho capitalista, portanto, hierarquizada, sem o que o próprio conceito não faria sentido.” Ou seja, não se trata de um processo etapista muito menos evolucionista.
O fato é, todo processo de desenvolvimento e subdesenvolvimento se dá em condições históricas especificas, em modo e relações sociais particulares, sendo, descabida a ideia de homogeneizar tanto o caminho a ser percorrido quanto o seu próprio grau de amadurecimento.  
A partir dessa perspectiva, cabe salientar que o processo de globalização e desenvolvimento do capital vem sendo acompanhado por uma intensa concentração de riqueza, desigualdades e exploração. Diante disso, o Estado vem exercendo um importante papel de mediador das relações entre mercado e sociedade – isto é, o Estado assume por meio das políticas sociais as falhas deixadas pelo sistema capitalista.
Entretanto, cabe destacar que a forma como o Estado vem assumindo essas responsabilidades não tem sido capaz de dar respostas que de fato resultem numa efetividade[2] de suas ações. Isso porque as políticas sociais erigidas sob os ditames do ideário neoliberal são políticas cada vez mais parcas, sendo incapaz de responder as desigualdades sociais em sua gênese, quando muito atingem o critério de eficácia – isto é, são políticas que minimizam, mas não procura compreender a essência das desigualdades, ao fazer isso, desconsidera as relações de exploração entre capital versus trabalho. Sendo este fato, fundamental para manutenção da ordem social vigente: qual seja: o modo de produção capitalista.


1.2 Estado, Mercado e Políticas Sociais no Contexto Neoliberal

Entende-se por políticas sociais ações que determinam o padrão de proteção social implantado pelo Estado, voltadas, em princípio, para a redistribuição dos benefícios sociais tendo como meta a redução das desigualdades estruturais produzidas pelo desenvolvimento socioeconômico.
Segundo Behring & Boschetti (2010: 47),

não se pode indicar com precisão um período específico de surgimento das primeiras iniciativas de políticas sociais, pois, como processo social, elas se gestaram na confluência dos movimentos de ascensão do capitalismo com a Revolução Industrial, das lutas de classe e do desenvolvimento da intervenção estatal. Sua origem é comumente relacionada aos movimentos de massa social-democratas e ao estabelecimento dos Estados-nação na Europa Ocidental do final do século XIX, mas sua generalização situa-se na passagem do capitalismo concorrencial para o monopolista, em especial na sua fase tardia, após a Segunda Guerra Mundial (pós-1945).

Assim, ao analisar as políticas sociais como consequência e, ou, expressões multifacetadas da questão social, evidência que estas são resultados de processos histórico-contraditórios, os quais são inerentes ao modo de produção capitalista.
           Neste sentido, têm-se sempre embates políticos de luta de classes, pela garantia de direitos e efetivação destes. Doravante, em se tratando de política social, os defensores do neoliberalismo sempre a redireciona para o corte do gasto público e, ou, social, a desativação dos programas já existentes e a redução da responsabilidade do Estado. Desta forma, a redução acaba tomando uma proporção de universalidade e os graus de cobertura dos programas sociais são deslocados do campo dos direitos sociais, assumindo assim a lógica da mercadorização.
Em outras palavras, pode-se entender que a característica principal do Estado sob os preceitos neoliberal é de reestruturação dos programas sociais através da descentralização, que visa acelerar a eficiência[3] e a eficácia[4] do gasto estatal. Este fato é preocupante, visto que o Estado tende tratar as desigualdades sociais num mesmo patamar das questões econômicas, faz isso ao equiparar critérios como o da eficiência, por exemplo.
Sendo assim, um dos principais instrumentos para isso será a privatização, pois ela permite maior deslocamento da produção e distribuição dos bens e serviços públicos para diferentes setores, como o privado e o não lucrativo (terceiro setor), isto é, significa que assim o governo se desresponsabiliza de suas obrigações sociais, reafirmando, desta forma, a política do “Estado mínimo”.
A partir desta perspectiva, Coutinho (2007: 5) ressalta que,

na conjuntura em que estamos imersos, as classes trabalhadoras — por muitas razões, entre as quais a chamada “reestruturação produtiva”, que pôs fim ao fordismo e, portanto, às formas correspondentes de organização dos operários — têm sido obrigadas a se pôr na defensiva: suas expressões sindicais e político-partidárias sofreram assim um evidente recuo na correlação de forças com o capital.  [...] A luta de classes, que certamente continua a existir, não se trava mais em nome da conquista de novos direitos, mas da defesa daqueles já conquistados no passado.


Em resposta a citação suprarreferida, pode-se compreender a luta de classe como resposta as ações empreendidas pelo Estado, pois estas estão dotadas de um viés de focalização, como fruto direto da reestruturação, que visa o gasto social a programas e público alvo específico, ou seja, escolhido de forma seleta, conforme a urgência da demanda apresentada.
 Para Coutinho (2007: 5),

na época neoliberal, não há espaço para o aprofundamento dos direitos sociais, ainda que limitados, mas estamos diante da tentativa aberta — infelizmente em grande parte bem sucedida — de eliminar tais direitos, de desconstruir e negar as reformas já conquistadas pelas classes subalternas [...] As chamadas “reformas” da previdência social, das leis de proteção ao trabalho, a privatização das empresas públicas, etc. — “reformas” que estão atualmente presentes na agenda política tanto dos países capitalistas centrais quanto dos periféricos (hoje elegantemente rebatizados como “emergentes”) — têm por objetivo a pura e simples restauração das condições próprias de um capitalismo “selvagem”, no qual devem vigorar sem freios as leis do mercado.


A regulação neoliberal, que fundamenta a orientação da globalização vigente, supõe a quebra do Estado, o qual deve ser mínimo, ser flexível por conta do mercado e da competição privada.
Nesse sentido, as teses neoliberais consistem numa perspectiva de intervenção mínima no que tange a ação do Estado em setores públicos como, educação, saúde, habitação, previdência social, assistência, segurança, etc.,
Desta maneira, para Netto (1992: 51)

as políticas sociais e a formatação de padrões de proteção social são desdobramentos e até mesmo respostas de enfretamento – em geral setorializadas e fragmentadas – às expressões multifacetadas da questão social no capitalismo, cujo fundamento se encontra nas relações de exploração do capital sobre o trabalho.


Assim, os defensores dessa doutrina irão defender a redução do Estado, sendo o melhor mecanismo para os indivíduos reconquistarem o mercado. Desta forma, o mercado é o lugar de riqueza, e a atuação do Estado prejudica a economia, e se o Estado não intervém é melhor, haja vista que a intervenção estatal é antieconômica e desestimula o trabalhador a trabalhar, o Estado burocrático (estatizado) é sempre visto como improdutivo. Sendo este o imperativo para criar condições favoráveis ao modo de produção capitalista.
Ou como bem coloca Anderson (1995, p. 2) os ideólogos do neoliberalismo,

[...] argumentavam que o novo igualitarismo (muito relativo, bem entendido) deste período, promovido pelo Estado de bem-estar, destruía a liberdade dos cidadãos e a vitalidade da concorrência, da qual dependia a prosperidade de todos. Desafiando o consenso oficial da época, eles argumentavam que a desigualdade era um valor positivo – na realidade imprescindível em si –, pois disso precisavam as sociedades ocidentais.


Coerentes com estes postulados, poucos desses direitos são efetivados no contexto neoliberal. Ao contrário, tais direitos são alvos de ataques pela classe dirigente do Estado e também do capital, desta maneira, o ataque é denominado neoliberalismo, que usa a modernização, o progresso como pretexto para a acumulação capitalista se reafirmar.
Cabe, nesse momento, destacar que para atender as exigências neoliberais, o Estado redireciona seu investimento para setores de estrutura e infraestrutura do capital, o qual segue as diretrizes de fazer transferência de investimentos que antes eram direcionados ao setor público, mas que com a nova lógica vigente esses vão para o setor privado.
Para Anderson (1995, p. 1) o neoliberalismo[5] “foi uma reação teórica e política veemente contra o Estado intervencionista e de bem-estar”.
A partir do mencionado, entende-se que sob os ditames do ideário neoliberal os serviços e políticas públicas, ficam condicionados a uma forte lógica de financiamento, também denominado aqui de mercadorização, é neste sentindo que acontece um retrocesso no campo social, principalmente no campo dos direitos sociais – materializado pela constante perda de direitos trabalhista.
É inegável que dentre a série de fatores resultantes das políticas adotadas pelos liberais o mais significativo tem sido o agravamento da questão social. O contexto social em que esta é produzida, no desemprego e no subemprego traduz a sua mais límpida expressão.
O que segundo Soares (2003, p.12), dentro do contexto da globalização neoliberal, 

A filantropia substitui o direito social; os pobres substituem os cidadãos; a ajuda individual substitui a solidariedade coletiva; o emergencial e o provisório substituem as políticas públicas; o local substitui o regional e o nacional. É o reinado do minimalismo no social para enfrentar a globalização no econômico.


Verifica-se a partir dessa perspectiva, que as políticas sociais tornam-se mercadorias na medida em que para ter acesso a bens e serviços de melhor qualidade é preciso está inserido no mercado de trabalho, e percebe-se de forma clara a mercantilização do que é direito do homem enquanto cidadão, visto que ao inserir as políticas sociais nessa lógica capitalista perversa é uma das maneiras de fortalecimento do capital, à medida que, o setor privado fortalece enquanto o público fica sucateado.

Considerações finais

Ao longo deste artigo buscou-se tecer algumas considerações acerca do desenvolvimento do modo de produção capitalista e suas consequências para o campo social e econômico. Fundamentado em autores que prima pela compreensão de conceitos como desenvolvimento e subdesenvolvimento como processos históricos é que se buscou articular a temática do desenvolvimento do modo de produção capitalista ao campo das políticas sociais, bem como o papel assumido pelo Estado no contexto de ditames neoliberal.
Desta forma, conclui-se que para compreender tanto o processo de desenvolvimento quanto o de subdesenvolvimento devemos buscar a historicidade como elemento fulcral que permitirá uma apreensão mais afundo desses dois processos.
Além disso, entendemos que no contexto neoliberal o Estado tem por objetivo atender os interesses da burguesia, e em contrapartida a despolitização da classe trabalhadora em geral, e por fim, promover o desmonte das políticas sociais e o corte em gastos públicos, resultando assim, na continuidade do capitalismo enquanto sistema contraditório e de relações dialéticas, sistema esse sujeito tanto a avanços quanto retrocessos.
Assim, o então processo de redefinição de políticas públicas para uma sociedade reflete os conflitos de interesses distintos, os arranjos feitos nas esferas de poder que perpassam e se entrelaçam às instituições do Estado e da sociedade.
Desta maneira, a questão social, portanto, tende a ser externalizada e transferida para a imediaticidade e para a esfera do individualismo. Em outras palavras, ocorre uma mudança de modo significativo no trato da questão social e nas suas múltiplas expressões. Em que não busca de fato responder a sua essência.
Como assinala Laurell (1995), as políticas sociais de inspirações neoliberais criadas e distribuídas entre todos os cidadãos com os direitos à seguridade social e serviços iguais a todos, são esquecidos ao se abandonar os princípios de solidariedade, regidos por critérios de lucro e equivalência, onde são transferidos vultosos fundos públicos para o setor privado ao invés de utilizá-los com critério social de solidariedade.
Esse sistema pode ter efeitos desejados no que diz respeito ao crescimento da economia, no que concerne à expansão dos serviços privados, porém não produzira um desenvolvimento social equânime, já que enfraquece os programas públicos de subsídio aos mais pobres e privando-os do direito de ter acesso às políticas públicas de forma universal – em que esse cidadão não seja privado dos seus direitos sociais.
Por fim, compreendemos que o atual contexto expressa o fortalecimento das relações entre Estado, sociedade e mercado que, dialeticamente, destroem e reconstroem padrões favoráveis à reafirmação do projeto burguês.



Referência

ANDERSON, Perry. “Balanço do Neoliberalismo”. In SADER, E. & GENTILI, P. (orgs) Pós-neoliberalismo: As políticas Sociais e o Estado Democrático. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995, pp. 9-23.

BEHRING, Elaine Rossetti; BOSCHETTI, Ivanete. Política Social: fundamentos e história. 7ª. Ed. São Paulo: Cortez, 2010.

COUTINHO, Carlos Nelson. A época neoliberal: revolução passiva ou contra-reforma? Disponível em: < http://laurocampos.org.br/2008/06/a-epoca-neoliberal-revolucao-passiva-ou-contra-reforma/>. Acesso em junho de 2013.

 

FURTADO, Celso. Desenvolvimento e subdesenvolvimento. Rio de Janeiro, Fundo de Cultura, 1961.

 

HARVEY, David. O “novo imperialismo”: acumulação por desapossamento – parte II (David Harvey) Disponível em: < http://www.pucsp.br/neils/downloads/v15_16_david_harvey.pdf >. Acesso em: maio de 2013.

LAURELL, Asa Cristina (org.).  Estado e Políticas Sociais no Neoliberalismo. São Paulo: Cortez, 1995.

LATOUCHE, Serge. A Ocidentalização do Mundo: ensaio sobre a significação, o alcance e os limites da uniformização planetária. Petrópolis/RJ: Vozes, 1994.

NETTO, José Paulo. Capitalismo Monopolista e Serviço Social. São Paulo: Cortez, 1992.

OLIVEIRA, Francisco de. Crítica à Razão Dualista: o ornitorrinco. São Paulo: Boitempo Editorial, 2003.

SOARES, Laura Tavares. O Desastre Social. São Paulo: Rio de Janeiro: Editora Record, 2003.





[1] “A questão social é indissociável da sociabilidade capitalista (Netto, 2001; Iamamoto, 2007) e envolve uma arena de lutas políticas e culturais contra as desigualdades socialmente produzidas. Suas expressões condensam múltiplas desigualdades mediadas por disparidades nas relações de gênero, características étnico-raciais e formações regionais, colocando em causa amplos segmentos da sociedade civil no acesso aos bens da civilização. Dispondo de uma dimensão estrutural — enraizada na produção social contraposta à apropriação privada do trabalho —, a “questão social” atinge visceralmente a vida dos sujeitos numa luta aberta e surda pela cidadania (Ianni, 1992), no embate pelo respeito aos direitos civis, sociais e políticos e aos direitos humanos”. Fonte: http://www.scielo.br/pdf/sssoc/n120/02.pdf.
[2] Mede os resultados das ações previstas e empregadas, mas vai além do critério de eficácia, já que efetividade diz respeito ao real impacto de determinada ação para o público ao qual se destina.
[3] Mede o quanto de recurso o Estado deve investir na gestão pública.
[4] Se as metas e objetivos dos planos e programas estão sendo operacionalizados como previsto.
[5] Segundo ANDERSON (1995: 1) “O neoliberalismo nasceu logo depois da II Guerra Mundial, na região da Europa e da América do Norte onde imperava o capitalismo. Foi uma reação teórica e política veemente contra o Estado intervencionista e de bem-estar. Seu texto de origem é O Caminho da Servidão, de Friedrich Hayek, escrito já em 1944. Trata-se de um ataque apaixonado contra qualquer limitação dos mecanismos de mercado por parte do Estado, denunciada como uma ameaça letal à liberdade, não somente econômica, mas também política.”

sábado, 19 de agosto de 2017

II Congresso Internacional de Política Social e Serviço Social: desafios contemporâneos


Artigo publicado: "A inserção do serviço social no SUAS – o contexto do município de Campos dos Goytacazes/RJ" 
Por Mirian de Freitas da Silva e Geraldo Márcio Timóteo



https://www.congressoservicosocialuel.com.br/anais/2017/eixo-1.html

2º Seminário Espaços Públicos, Cidades e Periferias

Artigo publicado
PARTE III GT 03 - Políticas públicas, desenvolvimento e margens......................................................88 

A gestão do Sistema Único de Assistência Social no município de Campos dos Goytacazes................................................................................................................................89

sexta-feira, 7 de outubro de 2016



Aguardem os próximos acontecimentos - o golpismo começa a mostrar suas facetas que antes apareciam de forma obscurecidas. O discurso é sempre o mesmo, o excesso de direitos firmados e reconhecidos na Constituição Federal de 1988 - em nome disso alegam a crise fiscal do Estado, daí a lógica de mexer sempre na parte mais frágil dessa relação - os direitos trabalhistas - o discurso é sempre o mesmo flexibilizar o máximo. as leis trabalhistas e garantir a mínima intervenção Estatal no âmbito da garantia das políticas sociais. Ou seja, clara defesa de retraiamento do Estado e negação dos direitos sociais, entre eles, o direito a condições dignas e justas de trabalho. 

domingo, 18 de outubro de 2015

Fichamento do texto: "Pesquisa qualitativa em educação: pertinência, validez e generalização"


Referência:
ZANTEN, Agnès Van. Pesquisa qualitativa em educação: pertinência, validez e generalização. In: Perspectiva. Florianópolis, v.22, n. 01, p.25-45, jan./jun.2004.

Palavras-chave:
Investigação qualitativa na atualidade. O campo educacional. Interferências sociais e políticas.

Essência da obra:
Ao realizar a análise em questão, Zanten traz para o debate “uma visão global da investigação qualitativa” no campo educacional tendo como marco histórico o período atual. A autora ressalta o papel das transformações “sociais e políticas que devem conduzir a uma adaptação dos métodos qualitativos de investigação.” Isto é, existe uma interferência direta desses dois elementos (político e social) no processo de produção da pesquisa qualitativa. (p. 25). Ao apresentar sua visão, Zanten preocupa-se com “os problemas dos métodos e, sobretudo, a utilização dos métodos qualitativos no marco da sociologia da educação.” (p. 26). Diante disso, a autora destaca que outra preocupação concerne-se ao fato de que a pesquisa qualitativa foi desenvolvida num determinado momento histórico “da sociologia, da antropologia”, diante disso, ressalta ela, que o desafio está em adequar tais métodos de investigação “a uma realidade que tem mudado, uma realidade social, política, educacional que são diferentes.” (p. 26). É relevante frisar que de acordo Zanten, “os métodos qualitativos que [são utilizados] no campo da Sociologia da Educação são, em geral, herdeiros de duas grandes tradições: [...] da Antropologia, da Etnologia do que chamamos métodos etnográficos, e uma tradição da sociologia qualitativa.” (p. 26). E o desenvolvimento desses dois métodos se deu no final do século XIX e início do XX. Diante disso, é importante frisar que “a sociologia conserva uma grande tradição de trabalhar com grupos marginalizados”, não sendo este o caso da sociologia da educação. Zanten destaca dois aspectos relevantes da investigação qualitativa: primeiro refere-se ao “desenvolvimento do conhecimento, ou seja, cada vez mais encontramos sujeitos, atores sociais, que têm um nível de instrução mais elevado [...], segundo, o papel que tem, atualmente, o conhecimento científico como base de controle social, de poder e de avaliação de nossa sociedade.” É importante frisar que, a produção de conhecimento influencia diretamente “na reconstituição de posições de dominação.” (p. 27). Além disso, a autora destaca as relações de poder que são concebidas no decorrer da pesquisa, onde o pesquisador em geral é colocado como sujeito dominador, entretanto ressalta que isso vai depender do local onde se encontra esse sujeito investigado, sua cultura, política, conhecimento, já que isso diz muito a respeito de quem somos enquanto sujeitos. “Em muitos trabalhos sobre administração da educação, ao se comentar os temas de investigação, deparamo-nos com administrador que diz: ‘eu penso que sei o que você quer saber[...]. Assim, também com pais de classe média alta que dizem: ‘eu penso que você tem interesse nisto.’ (2004, p. 28) Essa relação se apresenta de forma diferenciada quando se trabalha “com grupos mais dominados, estes já estão familiarizados com a pesquisa.” É importante notar que a dimensão social e política influência diretamente no processo de relação de poder entre pesquisador e pesquisado. De acordo com Zanten “as mudanças sociais e políticas, ainda que nas menores situações do estudo, têm impacto e nos convidam a mudar nossa maneira de trabalhar.” (p. 30). A autora realça a relevância de se considerar “as categorias de análises” [para ela,] “essa problemática” se faz importante, a partir do momento que nos leva a refletir sobre os resultados da pesquisa. A investigação no campo qualitativo pressupõe que se entenda de forma global “as categorias que mobilizam os atores para compreender a realidade e para atuar sobre a realidade.” (p. 31). No que se refere “a validade das investigações qualitativas, é preciso observar, na avaliação, que os resultados das pesquisas qualitativas parecem, geralmente, mais abertos do que no caso das quantitativas. No campo da educação, eles são mais presentes e são mais difíceis de se trabalhar já que as pessoas se consideram experts em educação.” (p. 32). Isso porque é um campo onde são apresentados diferentes pontos de vista, ou seja, para cada pessoa as temáticas relacionadas a educação poderão se apresentar sob variados entendimentos. Vale ressaltar que como bem coloca Zanten, “todos os atores aplicam, de certa maneira, métodos de investigação para interpretar seu mundo.” (p. 33). Sendo as técnicas e o rigor científico o diferencial desse processo. A autora frisa que é importante saber fazer a seleção do material empírico a ser utilizado, ressalta, além disso, que para “estudantes investigadores iniciantes, a dificuldade está em cortar o material, aceitar a renunciar a uma parte dele.” (p. 35). Para Zanten, o objetivo da pesquisa não é somente buscar a veracidade dos fatos, mas sim, em entender a lógica  dos sujeitos pesquisadores, em outras palavras, como eles interpretam determinada realidade e agem diante da mesma, portanto, é relevante que se entenda “as categorias de interpretação que acionam os atores”. (p.36). Nesse sentido, ao produzirem pesquisas, “os autores produzem uma inteligibilidade parcial, sobre uma parte da realidade, extraindo certos fenômenos.” (p. 37). No que se refere “a generalização dos resultados”, para Zanten, existe uma tendência a não generalização dos casos, onde cada caso se apresenta como único. Nesse sentido, ela destaca que é importante que se construa “uma teoria de médio alcance” quando se trata de sistemas educativos. (p. 38). No que concerne a “dimensão comparativa”, ela destaca que “se temos uma situação local e outras situações locais que já foram estudadas podemos recorrer às comparações para mostrar que há um processo que é possível ou não de se generalizar, bem como de marcar os limites da generalização”.(p.39). No que tange “a dimensão da generalização é o trabalho de transição permanente entre o que revela de propriedades relacionais, conceituais e estruturais [...] não  parece pertinente opor a pesquisa macrossociológica à microssociológica[...]. [A forma como se conduz a pesquisa diz muito sobre os seus resultados, por exemplo,] quando vamos trabalhar, com fenômenos de globalização, vamos trabalhá-los de maneira localizada. Quando trabalhamos em uma pequena escola verificamos que está havendo um fenômeno de globalização das políticas educativas.” (p. 40). Nesse sentido, para a autora “um bom trabalho de pesquisa, requer a capacidade mover-se com facilidade entre dois níveis e de mostrar que há uma margem de ação entre os atores mas, ao mesmo tempo, que o comportamento dos atores refletem mecanismos, processos estruturais e, portanto, são suscetíveis de generalização.” (p. 41). Além disso, é importante destacar que como bem coloca Zanten, é importante que se defenda a construção das pesquisas qualitativas baseadas em estudos empíricos, sendo esta uma das formas de validar e embasar a qualidade das pesquisas. (p.42). A partir do mencionado, vale destacar que a autora traz uma temática extremamente válida no que concerne a análise da pesquisa qualitativa, ao apontar “diferentes maneiras” de refletir e pensar os problemas que são atualmente apresentados no campo “das pesquisas em educação, sobretudo, de tipo qualitativa”, Zanten, oferece ao leitor uma análise crítica reflexiva das relações que vem sendo construídas historicamente entre pesquisador e pesquisado.(p. 44)




Fichamento do texto "Teorias do Progresso, Desenvolvimento e Evolução"

Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro
Disciplina: Teoria Social
Docente: Geraldo Marcio Timoteo
Discente: Mirian de Freitas da Silva

Para Kenneth (1980), a ideia de progresso “por motivos históricos” vai está intimamente vinculada a “há uma ampla e complexa variedade de ideias sobre mudança social e cultural.” Segundo ele, o interesse no sentido de diferenciar “o progresso, desenvolvimento e evolução são interessantes em teoria”, entretanto ressalta que essa distinção não foi realizada “no curso geral da indagação humanista, e muita confusão resultou da suposição de que o tivesse sido.” Para ele, essa confusão se dá principalmente ao se discutir “a relação entre evolução social e a orgânica é discutida. Uma dificuldade semelhante é encontrada quando a hipótese do desenvolvimento da biologia do século XIX é confundida com as noções contemporâneas de desenvolvimento social, bem como com algumas tentativas atuais de explicar as mudanças que ocorrem nos países subdesenvolvidos.” Diante disso, este texto tem como propósito de trazer para o debate a “ideia de progresso [...] para indicar uma orientação teórica geral e definida na análise sociológica.” (p. 65)
Segundo Kenneth (1980) afirma que, “em nossa luta com a história da teoria sociológica, encontramos freqüentemente a expressão ou apresentação de uma ideia que acaba sendo muito mais complicada do que a própria ideia. Excesso de palavras, repetições cansativas e variações intermináveis sobre um tema [...]. Assim, com freqüência nos vemos envolvidos na tarefa pouco compensatória e desanimadora de romper os véus da verbarrogia para revelar banalidades.” (p. 65-66)
Nesse sentido, ao tratar “a ideia de progresso, estamos exatamente na situação oposta: temos aqui uma noção aparentemente simples e direta, que num exame mais detalhado, nos envolve em alguns dos mais complicados problemas do moderno pensamento social do Ocidente.” Bury “em sua história ainda clássica da ideia, definiu-a economicamente como crença de que a ‘civilização moveu-se, está se movendo e se moverá numa direção desejada’.” Assim, para Kenneth, o que poderia ser pensado como uma prospecção positiva acerca do futuro da humanidade, tornou-se “uma teia complexa e sutil de ideias com consequências metodológicas e substantivas de alcance maior para a ciência e a filosofia socais.” (p. 66)
Ao observar o progresso o professor Bierstedt não o pensa como sendo um problema somente a ser compreendido pela sociologia, além disso, destaca “que a ideia de progresso dificilmente será mesmo uma ideia”, sendo “a fé no progresso”, muito “mais uma questão de otimismo do que de fato ou verdade. Certamente não se está referindo à mesma ideia de que intrigou Bury. Nem poderia, Teggart ter em mente um otimismo vago, ao dizer que ‘as dificuldades que o humanista tem de enfrentar no momento presente surgem da aceitação da ideia de progresso como conceito orientador no estudo do homem. ” (p. 66)
De acordo com Kenneth (1980), a ideia de progresso quando entendido além de um simples conceito normativo, tem se apresentado como fulcral no que diz respeito a formulação da sociologia como disciplina, além de continuar a moldar “profundamente as questões e perspectivas dessa ciência, e de ciências sociais e culturais correlatas.” (p. 66)
Doravante, Kenneth destaca que a dificuldade em compreender o termo progresso vai está intrinsecamente amalgamada a sua amplitude, sendo usado para “referir-se a toda uma galáxia de ideias” nem sempre coesas.
Assim, Kenneth ressalta que entre os diferentes pensadores “as causas do progresso, suas manifestações sucessivas e seus objetivos finais” irá receber variadas especificações.
Destaque para diferentes formas de retratação do progresso, que vai desde a “imagística simplesmente idílica e das declarações vazias de fé até a construção de sequências detalhadas e intrincadas, baseadas em tipos escolhidos da História, Arqueologia e Etnografia e reunidas por complicadas leis de mudança”, esses elementos forma o que Kenneth denomina de ideia de progresso. Assim, para entender o “papel desempenhado pelas teorias do progresso na teoria da análise sociológica”, faz-se preciso buscar a compreensão desses elementos. Segundo Kenneth, “uma dificuldade óbvia para a detecção de implicações mais fundamentais da ideia de progresso é o fato de ser ela habitualmente considerada como, acima de tudo, um juízo de valor sobre a história. A palavra progresso encerra principalmente conotações normativas para a maioria de nós, e os mais notáveis esforços para acompanhar a história da ideia foram marcados pela preocupação em distingui-la das crenças sobre a decadência ou regressão, ou sobre ciclos.” (p. 67)
Kenneth (1980) toma como referência intelectual a tradição “expressa nos séculos XVII e XVIII num contexto de afirmações entusiásticas de melhoria inevitável numa ou noutra faceta da vida humana.” (p. 67)
Alguns estudiosos merecem destaque no que concerne o estudo sobre a ideia de progresso, são eles: Aristóteles e Agostinho, em Fontenelle e Saint-Pierre, em Condorcet e Comte, em Spencer e Tylor, onde “encerra uma imagem detalhada e abrangente de mudança. Envolve orientações específicas da história como registro de acontecimentos. Indica uma interpretação definida e singular das diferenças sociais e culturais e designa um uso de diferenças na construção de teorias de mudança social e cultural.” (p. 67)
Para Bury, o progresso é compreendido “como um produto rigorosamente moderno que surgiu no século XVII e atingiu sua expressão plena no século XVIII. Contrastou-a com a ideia de ciclos característica da antiguidade grego-romana e com a ideia medieval européia da Providência.” (p. 68)
Bury critica ambas as perspectivas, tanto a ideia de ciclos quanto a ideia cristã de providência, para ele a ideia de ciclos de que a história é uma repetição sucessiva de fatos, “afasta de forma absoluta uma fé numa melhoria indefinida da vida humana e constituía empecilho a qualquer visão histórica dotada de significação, inclusive a ideia de progresso.” Já a visão providencial era para ele limitada a um marco temporal, que a seu ver era curto, “no fim do qual o drama é completado e a cena do progresso mundial é destruída [...] também afirmava que a ideia de providência, na medida em que prevê o progresso, não considera como melhoria dos assuntos temporais, mas apenas como uma compreensão de Deus, ou uma realização do estado de graça.” (p. 68)
Todavia, ambos os aspectos apresentados por Bury foram contestado, “os socráticos [...] viram certo progresso no passado, e que a preocupação óbvia tanto dos gregos como dos romanos com a melhoria de sua condição presente – a administração do corpo político – só podia depender da fé pelo menos na possibilidade de um futuro melhor.” (p. 69)
De acordo com Kenneth, tanto os Gregos quanto os primitivos Padres da igreja tinham formuladas suas ideias acerca do processo de mudança. “Essas ideias persistem na tradição intelectual ocidental e são básicas para a moderna ideia de progresso.” (p. 69)
Para Kenneth, “Aristóteles é o caso mais significativo. Na física, ele tomou a natureza como seu objeto de estudo, e seu primeiro passo foi defini-la como o princípio de movimento e mudança [...] a natureza, portanto, é a mudança ordenada.” (p. 70)
Assim, “o natural para Aristóteles, não é apenas uma média a que possamos chegar observando e contando: é definido pela regularidade da ocorrência [...] quando a mudança ocorre de qualquer outra maneira, não é da natureza. E isso tem importância crucial, que Aristóteles observou que as ocorrências ocasionais não podem ser estudadas pela ciência. O mundo da experiência humana, em particular, é composto de acontecimentos incompreensíveis a crenças.” (p. 70-71)
Nesse sentido, a natureza é apresentada por Aristóteles “como princípio de desenvolvimento ordenado para a realização de determinados fins. [...] a mudança se processa dentro de uma estrutura estática de espécies ou gêneros que encerra um potencial de toda uma série de ordens, que são eternas em si mesmas.” (p. 71)
“O processo natural de mudança social que sua ciência descobriu, portanto, era uma afirmação daquilo que ele considerava o melhor para os homens e sua experiência histórica. [Para Kenneth], não é difícil ler uma doutrina do progresso como um aperfeiçoamento dessa tese.” (p. 72)
Segundo Kenneth, “à parte as questões da melhoria com o tempo, o que encontramos no pensamento grego exemplificado por Aristóteles é um protótipo claro e detalhado da teoria do progresso da Europa Ocidental do século XVIII, e que nos será útil para identificar as características destacadas dessa teoria e acompanhar suas ramificações na teoria social contemporânea.” (p. 73)
Cabe ressaltar que Tucídides, “não falava apenas do progresso da cultura para procurar demonstrar esse progresso através de recursos que só eram permissíveis à base de proposições sobre a mudança natural, como as encontradas na teoria de Aristóteles. [Tucídides] utiliza as ideias de que existe na natureza algo como sociedade ou cultura, que sofre um crescimento idêntico onde quer que se encontre, porque o mesmo potencial existe em todos os seus exemplos; de que obstáculos, impedimentos ou interferências alteram o processo natural em vários lugares, de modo que vemos povos em várias fases ‘do crescimento nacional’. O panorama do progresso é, assim, estendido à nossa frente no presente.” (p. 74)
Kenneth ressalta que dentre “os autores cristãos antigos, Santo Agostinho é o que oferece um exemplo mais da utilização de ideias gregas para a construção de uma Filosofia da História”, servindo de modelo aos teóricos do progresso no século XVIII.
“Agostinho conservou [...] a visão aristotélica de que a realidade a ser estudada é uma mudança ordenada e propositada, que se processa gradual e continuamente, através de uma série de passos ou fases, até chegar a um fim que era imanente no início ou origem.” (p. 74)
Segundo Kenneth (1980, p. 75), “a moderna teoria do progresso tomou forma na Querela[1] entre os antigos e os modernos, ou pelo menos é conveniente, retrospectivamente, situar naquele contexto a confluência de ideias que se aproximam, em última análise, na obra de Turgot e Condorcet. O objeto da Querela era como as obras artísticas, filosóficas e científicas da Europa moderna se comparavam com as obras dos gregos e romanos da Antiguidade. [...] a parte da Querela relevante para nosso interesse aqui se situa na segunda metade do século XVII. Como debate puramente literário, a Querela foi a princípio marcada pela expressão de simples opiniões sobre os méritos relativos do antigo e do novo, mas os modernos procuraram mostrar logo que não só as produções mais recentes eram superiores às mais antigas, mas também que deveriam ser.” (p. 75)
            “’Sobre os antigos e os modernos’ (1968), de Fontenelle, resumiu a tese do progresso. Sua argumentação se baseia na constância e uniformidade dos poderes da natureza. Eram maiores as árvores nos tempos antigos? Se não, também não deveremos supor que Homero e Platão eram superiores aos homens do século XVII. (Toda natureza é a mesma; há níveis correspondentes na natureza.) [...] Fontenelle antecipou as teorias do progresso orgânico do homem, o homem se tornará dotado de poderes intelectuais cada vez maiores.” (p. 76)
Segundo Fontenelle, “é possível [...] simplesmente considerando a natureza humana, conjeturar toda a história, passada, presente e futura. A natureza humana consiste em certas qualidades, e estas resultam em certos fatos ou acontecimentos. Estudando a história dessa maneira, chegamos à fonte básica das coisas. [...] os acontecimentos e o acaso por vezes contribuem para a sucessão ordenada de mudanças que foram a substância da história humana, mas devemos atentar principalmente para os costumes e os usos dos homens, que resultam da mente e das paixões humanas. Não é nos próprios fatos que os devemos apoiar, mas no ‘espírito’ dos fatos. É essa a reação cartesiana final à pobre ciência conjetural da história. [Assim de acordo com], as opiniões de Fontenelle [...] dada uma condição de conhecimento na Grécia e Roma Antiga e uma condição de conhecimento na Europa do século XVII, a questão de qual era superior é transformada numa questão de como a última se desenvolveu da primeira, de acordo com leis de mudança que garantiam a superioridade do produto. Não era apenas uma questão de melhoria das coisas através do tempo; mais fundamentalmente, era um caso de uma entidade que tinha uma carreira no tempo, que havia desdobrado um certo potencial e se realizado no tempo.” (p. 77)
“A mente humana, então, é apresentada pelos modernos como tendo mudado no tempo, e a mudança é representada como crescimento: é lenta e gradual e marcada por estágios ou fases, e não por acontecimentos. Os acontecimentos são apenas manifestações do processo de crescimento. A mudança é considerada como um desenvolvimento no sentido preciso de um desdobramento, ou de um vir-a-ser daquilo que é potencial na coisa que se modifica. A mudança é imanente.” (p.78)
Segundo Kenneth, “o terrível espetáculo do declínio medieval que se seguiu à grandeza do mundo greco-romano questionava qualquer argumento de progresso. [...] como explicar esses fenômenos se um princípio imanente de progresso estava em operação, se Deus havia colocado na natureza leis que funcionavam de maneira constante e uniforme para realizar todo o potencial da mente humana? Fontenelle formulou essa questão em sua forma ampla, perguntando como explicar as diferentes condições da vida humana. Se os poderes da natureza são constantes, então os exemplos de uma coisa por ela produzida deveriam ser os mesmos em toda parte e em todas as épocas. Mas as pessoas não são as mesmas em todos os tempos e todos os lugares.” (p. 78)
Porém, Kenneth (1980) critica essa ideia desenvolvida por Fontenelle, para Kenneth mesmo que estivéssemos falando da mente humana ou de alguma coisa que surge num determinado tempo, deve-se “esperar que surja em diferentes formas a diferentes épocas, ainda é preciso saber por que todos os povos, num determinado momento, não apresentam o mesmo aspecto. [...], portanto, Fontenelle e os modernos [...] ao estabelecerem esse ponto, desenvolveram uma teoria sobre o progresso humano, evidenciada pelo desenvolvimento mental, segundo a qual em qualquer relação temporal de dois ramos da raça humana a mais recente no tempo devia ter progredido, no desenvolvimento mental, além da raça mais antiga no tempo. E como acréscimo à teoria diziam que, quando esse progresso não ocorria, ou quando era retardado, ou quando havia um retrocesso real, isso ocorria devido a circunstâncias especiais que constituíam obstáculos ou impedimentos ao processo.” (p. 78-79)
“A ideia de progresso formulada durante a Querela era uma concepção da maneira pela qual o conhecimento havia crescido, e não do avanço da sociedade. Os modernos buscaram uma reforma no conhecimento e nos métodos de indagação, não uma reforma da sociedade. Mas as consequências do envolvimento da mente humana para a vida social e cultural foram, dentro em pouco, objeto de especulação. Francis Bacon havia afirmado antes que o conhecimento era útil, aqui nesta vida, e que conhecendo a natureza poderíamos imitá-la e controlá-la em nosso benefício. [Essa ideia foi aprofundada no início do século XIX por Saint-Pierre, que afirmava], a razão humana [...] poderia refazer o conhecimento e, com isso, as condições de vida. [...] Saint-Pierre, via uma melhoria total na vida humana quando os soberanos fossem convencidos a seguir os ditames da razão [...] e a humanidade havia aprendido a evitar obstáculos ao progresso como às guerras e os maus governantes.” [para ele a humanidade era concebida como uma entidade que, assim como um organismo individual , caminha para a perfeição, entretanto, diferentemente de outros organismos, nunca morre. (p. 79-80)
Kenneth destaca que “uma das primeiras exposições sistemáticas dessa orientação das diferenças culturais foi feita por Turgot [...]. A teoria do progresso de Turgot incluía a importante e influente ideia de que todas as instituições, todas as partes da cultura, avançam lado a lado, artes, conhecimento e instituições políticas, todas mudam ao mesmo tempo e estão ligadas de tal modo que, quando uma muda, todas mudam, e de acordo com o mesmo princípio. [...]. [De acordo com Kenneth], embora seu trabalho sobre a história universal não passasse de um esboço e os detalhes não tivessem sido desenvolvidos, Turgot buscou a causa básica do movimento e do progresso na própria natureza humana. Esta é constituída tanto da razão como das paixões, de modo que o triunfo da razão, e o resultante crescimento do conhecimento, não seguem o caminho simples sugerido pelo argumento dos modernos. [...] A continuidade, para Turgot, é uma marca da história; o passado era necessário ao estado atual do desenvolvimento. [...] todas as nuanças de selvajeria e civilização são, na verdade, observáveis no presente, e, nos retratam todos os passos dados pela mente humana – ‘a história de todas as eras’. As diferenças atuais entre as culturas devem ser consideradas, então, como diferenças de grau, não de espécie.” (p. 81-82)
Segundo Kenneth, assim, como Turgot, “a apresentação clássica que Condorcet fez da teoria do progresso em fins do século XVIII também se ocupa nominalmente do desenvolvimento da mente, mas é, na realidade, uma explicação da mudança social ou cultural, agora com atenção consciente para o detalhe substantivo e metodológico. Ele foi específico sobre o conteúdo do progresso: a razão chegaria a dominar as paixões, a sociedade seria então reorganizada para o crescimento continuado em bases racionais, e o resultado seria a igualdade – igualdade de realização entre as nações; igualdade de riqueza, educação e situação social entre todos os homens – e liberdade como consequência.” (p. 82-83)
Condorcet observou assim que a estagnação, fixadez e estabilidade são, com frequência, estados sociais característicos e que as pessoas habitualmente se opõem a mudança de seus modos. [Ele] “atribuiu essa falta de progresso no homem a fatores como hábito, tradição, aversão natural ao novo, indolência e superstição. [Assim, para Kenneth], ao estabelecer as fases do curso de constante do progresso, Condorcet tinha perfeita consciência de que o processo histórico real havia sido pontilhado e afetado por grandes acontecimentos como guerras, migrações e conquistas, mas a isso chamamos de acasos dos acontecimentos [...].” (p.84)
Kenneth realça que “enquanto Turgot e Condorcet podem ser considerados como exemplos da teoria do progresso no Iluminismo francês, não é fácil encontrar figuras equivalentes para o Iluminismo alemão. [...] Frank E. Manuel deixou claro, os progressistas alemães estavam interessados na questão do aperfeiçoamento moral, e essa preocupação fazia da construção rudimentar e fácil das fases do progresso científico ou material uma empresa irrelevante. [Ainda a esse respeito, Kenneth destaca que] assim, em esboços de uma Filosofia da história do Homem, de Herder, a entidade que se desenvolve ou realiza no tempo é a ‘humanidade’, uma qualidade definida de forma bastante vaga, que só tomou corpo em contraste com a barbárie presente. No tratamento de Herder, não só a questão do progresso está envolta em pesadas conotações religiosas, mas também o lócus e o ritmo do próprio processo não têm a simplicidade e clareza do esquema de Condorcet.”  (p. 85)
Com relação a isso, Kenneth destaca que “Kant não oferece esse tipo de dificuldades, mas sua teoria do progresso não é a que predominava no século XVIII. [...] Kant é bastante claro quanto aos seus propósitos: construir uma Filosofia do Homem que apresente um quadro do que poderia ter ocorrido no passado e poderá continuar ocorrendo no futuro e o que é moralmente aceitável para um homem ativo com um senso inato do dever.” (p. 86)
Além disso, Kenneth ressalta outras concepções acerca da ideia de progresso, como, por exemplo, “[...] Frederick J. Teggart encontrou em David Hume o que equivale a uma antítese da ideia de progresso – uma negação da naturalidade da mudança social ou cultural, uma negação de sua continuidade tanto no tempo como no espaço, e com isso uma negação de sua imanência. Hume postulou, em lugar disso, uma inércia geral, ou estabilidade, como característica da condução humana e a considerou sujeita a modificações comuns bastante graduais e a infreqüentes mudanças resultantes de interrupções nas ordens estabelecidas [...]. [para Kenneth] os equívocos dos escoceses podem ser explicados, em parte, pela sua abordagem caracteristicamente indutiva e empírica do problema do progresso. [Entretanto, vale destacar que segundo Kenneth] há uma coisa de Rousseau na maioria dos teóricos do progresso. Eles estavam profundamente descontentes com suas próprias sociedades, e mostravam os males passados, mesmo quando reconheciam o passado como um passo necessário para um futuro melhor.” (p.87)
“Em seu Essay on the history of civil society, Ferguson tinha evidente consciência das exceções ao progresso na experiência humana [...] ele não considerava o progresso como uma regra geral. [...] Mas o declínio, argumentava ele, não é inevitável, e não ocorre ‘em consequência de qualquer desequilíbrio incurável na natureza da humanidade, mas devido à negligência e à corrupção voluntárias’. Pelo contrário, a natureza humana, como todas as ‘produções naturais’, é progressista, tanto em suas atividades como em seus poderes. Não só o indivíduo progride da infância para a maturidade, como a própria espécie avança da barbárie para a civilização.” (p. 88)
“Para Ferguson, portanto, há em funcionamento um princípio que tende a produzir o avanço, e era com o delineamento dessa tendência – a ‘história natural’ da humanidade, ou da sociedade civil – que ele, como filósofo moral, se preocupava.” (p.89)
“O objetivo de Ferguson, como ele disse, era descobrir ‘o que a mente humana podia realizar’ e procurar isso na ‘história da humanidade’. Inspirou-se em Tucídides que, apesar do preconceito de seu país contra o nome de bárbaro, compreendeu que era nos costumes das nações bárbaras que podia estudar os costumes mais antigos da Grécia.” (p.90)
Para Ferguson, “onde o progresso ocorreu, seguiu sempre o mesmo caminho, pois o avanço social foi produto da natureza humana, manifestando-se em circunstâncias favoráveis.” (p. 91)
Segundo Kenneth, “Comte, embora não questionasse a ideia de progresso, apresentou-a e usou-a de maneira bastante aberta, completa e sistemática e expôs suas suposições e implicações como poucos haviam feito antes. [...] Comte afirmou claramente: ‘... o progresso da sociedade, dependendo da natureza permanente da humanidade, deve em todas as épocas ser essencialmente o mesmo; as diferenças consistem simplesmente em maior ou menor rapidez’. Foi, na verdade, a identidade notável no desenvolvimento das diferentes nações que testemunhou a forma de um princípio uniforme de progresso, derivado das leis básicas da natureza humana.” (p.92 -93)
Para Comte, “as diferenças, portanto, representavam graus de desenvolvimento ao longo de uma mesma linha – como se poderiam observar num pasto diferenças entre cavalos de diversas idades. Dada uma interpretação progressista, e não crítica, da história, porém, Comte, tinha de atribuir a coexistência temporal das diferenças de cultura a acidentes.” (p. 94)
Kenneth ressalta que, apesar de Herbert Spencer seguir a hipótese desenvolvimentista de Comte, aparece uma diferença de significância. “Para Spencer, [...] a concepção de progresso se devia converter numa lei científica [...] a natureza essencial do progresso ‘em si’ foi considerada por Spencer como um desenvolvimento heterogêneo a partir do homogêneo, como um processo de diferenciação. [...] todo movimento se faz do homogêneo para o heterogêneo, do simples para o complexo, do não diferenciado em forma e função para o diferenciado.” (p. 96)
De acordo Spencer, “o ambiente era diferente de lugar para lugar e que tinha um efeito sobre a vida social, que o tamanho das sociedades era com frequência alterado pela anexação ou perda de território, e que as misturas raciais introduzidas pela conquista mudam o caráter médio das unidades das sociedades. Émile Durkheim concordava com Spencer sobre esse ponto, observando que as sociedades não diferem apenas em grau, mas também quanto ao tipo ou espécie [...].” (p. 97)
            “Para Spencer, as diferenças sociais e culturais representaram várias etapas de evolução; os dados reunidos por seus associados serviram para ‘ilustrar a evolução social sob seus vários aspectos’. [...] Durkheim abordou o problema das diferenças culturais de uma perspectiva mais ampla, identificando unidades sociais comparáveis que podiam ser vistas como situadas em algum ponto entre as sociedades históricas singulares que chamaram a atenção dos historiadores tradicionais e a humanidade ideal singular, cuja carreira o filósofo da história procurou traçar. [Para Kenneth] sua classificação ficou incompleta e nunca foi preenchida por povos reais.” (p. 98)
            O ponto de discordância entre os teóricos do progresso de fins do século XIX e princípios do século XX, “relacionou-se com a questão da inevitabilidade do progresso e a necessidade de, ou adequação da participação humana no processo. Os que simplesmente reiteravam a doutrina do laissez-faire do século XIX passaram a ser identificados como darwinistas sociais. Uma desenvolvida argumentação em favor da intervenção ativa no progresso foi feita pelo sociólogo americano Lester F Ward, que argumentou que a evolução tornou-se teleológica no nível da sociedade humana e envolvia a proposição consciente e a escolha pelo homem.” (p. 100)
“Já se notou que os europeus, quando confrontados com um mundo povoado por sociedades radicalmente diferentes, encerrando culturas pertubadoramente diferente, negaram de forma característica a realidade básica dessas diferenças e as interpretaram como representações de fases do desenvolvimento da sociedade ou cultura como tal.” (p. 101)
Para Kenneth é uma tarefa difícil situar o trabalho/ ”obra de Karl Marx na história da ideia de progresso. Como Karl Marx nos deu uma visão, se não uma profecia, de uma sociedade melhor, embora essa visão não seja detalhada, é fácil ver no marxismo, como fez Ginsberg, uma materialização moderna da fé no progresso. [...] embora existam provas de que Marx nada queria com a noção tão afável e burguesa, sua preocupação e sua esperança com o que considerava abertamente como uma melhoria provável na situação humana o colocam pelos num grupo, amplamente definido, de autores que acreditavam no progresso como uma melhoria. Quando se trata da ideia de progresso como o complexo de ideias e a natureza e o curso da mudança, que vimos discutindo aqui, a inclusão de Marx entre os desenvolvimentistas é outra questão. [...] sua posição pode ser melhor examinada com o objetivo de fixar as características marcantes da ideia de progresso e suas consequências para o estudo histórico. [Segundo Kenneth], apesar de toda a sua  surpreendente originalidade, Marx não deixou de ser afetado pelo clima intelectual de sua época [...] dada a onipresença da ideia de progresso, não seria de surpreender se não encontrássemos em seus escritos traços do evolucionismo. [...] primeiro, Marx e Engels estavam obviamente interessados em descrever as fases históricas. Em a Ideologia Alemã, eles identificaram fases do desenvolvimento das formas de propriedade – tribal, antiga, feudal e capitalista. Modos de produção asiático, antigo, feudal e modernos foram delineados por Marx na Critica da economia política  e o assunto foi tratado em maior detalhe em formações econômicas pré-capitalistas. Não se torna claro, nessas discussões, qual é o universo do discurso – a que entidades essas fases se referem – mas há uma forte sugestão de que a propriedade e a produção eram consideradas como categorias  universais que tinham uma história que podia ser reconstituída por uma disposição de formas escolhidas de vários tempos e lugares.” (p. 103-104)
“Segundo, Marx usou ocasionalmente a linguagem tradicional dos progressistas na descrição do processo histórico. A sociedade era tratada como um todo. ‘A historia de todas as sociedades até então existentes é a história das lutas de classes. A sociedade burguesa foi repetidamente descrita como apenas a forma ‘mais altamente desenvolvida e mais altamente diferenciada’, de modo a poder ser usada como a chave de ‘todas as formas passadas de sociedade’ mais ou menos da maneira pela qual ‘a anatomia do ser humano é uma chave para a anatomia do macaco’”. (p. 104)
Segundo Kenneth, “a confusão quanto à ideia de progresso social, desenvolvimento ou evolução, com a teoria da evolução orgânica estabeleceu certa imprecisão na história da teoria social, e as consequências são hoje mais evidentes do que nunca.” (p. 105)
“Sugerir que foi Charles Darwin e seu conceito de seleção natural o responsável pela adoção de uma perspectiva histórica nas disciplinas humanistas na segunda metade do século XIX é ignorar a longa tradição de pensamento evolucionista na teoria social, que antecedeu a adoção desse ponto de vista na bilogia. Devemos lembrar não só que desenvolvimentistas culturais como Tylor e McLennan, embora perfeitamente conscientes da obra de Darwin, observaram o fato simples de que estavam interessados num diferente tipo de estudo [...]. Auguste Comte consistiu na rigidez das espécies, mas via as formas sociais como produtos de fluxo continuado. Herbert Spencer, dois anos antes da publicação de A Origem das Espécies, tinha dúvidas sérias de que tivesse existido um movimento, no tempo, de plantas e animais mais simples e homogêneos para a produção de organismos complexos e heterogêneos. Não tinha dúvida, porém que a sociedade havia evoluído nesse sentido. Aristóteles adotara uma opinião basicamente semelhante sobre a matéria.” (p. 105)
“[...] O que devemos notar são as interpretações errôneas e infelizes de Darwin e dos evolucionistas sociais que resultam das tentativas de aproximar os dois, e os esforços freqüentemente confusos e abortados para Biossociologia ou Sociobiologia.” (p. 106)
“Embora fosse uma perspectiva orientadora e dominante para a Sociologia e a ciência social em geral no século XIX, a ideia de progresso ou evolução não escapou ao questionamento, como já observamos. A explicação das diferenças culturais foi sempre um problema difícil para os evolucionistas. Quando foram apresentadas as explicações raciais na primeira metade do século XIX, foram consideradas como deficientes por estudiosos como Maine e Theodor Waitz, que, nas circunstâncias, foram obrigados a se ocupar diretamente da questão.” (p. 107)
“De outros círculos, principalmente entre as fileiras da Antropologia, algumas das suposições subjacentes ao uso do método comparado foram questionadas. [...] foram reunidas provas que negavam a uniformidade dos processos social e cultural através do tempo e do espaço. Houve uma crescente autoconsciência sobre o caráter etnocêntrico do esquema desenvolvimentista europeu. A reação, liderada por Boas, foi um retorno a uma perspectiva difusionista [...] em consequência desse tipo de crítica, a forma clássica do evolucionismo do século XIX teve problemas sérios na década de 1890 e 1930 foi considera morta. [Para Kenneth, a fé na ideia de que o progresso era uma melhoria, caminhou para esse mesmo caminho, entretanto em circunstâncias distintas]. Não foi, porém, expulsa do campo por outra teoria da mudança social ou cultural. Será mais exato dizer que a bancarrota evidente do evolucionismo desencorajou a construção de uma teoria grandiosa da mudança, e que o novo trabalho teórico concentrou-se em torno de um tema correlato na tradição do pensamento social ocidental: o funcionalismo.” (p. 108)    
“[...] os funcionalistas modernos, Malinowski argumentou que, antes de podermos entender como os fenômenos culturais chegaram a existir, devemos conhecer a natureza da cultura. [...] Talcott Parsons disse mais tarde, para a construção de uma teoria sólida da mudança social, é necessário conhecer o que é o que muda. Se houve qualquer conflito entre o evolucionismo e o funcionalismo, portanto, foi a crítica dos evolucionistas-funcionalistas, nos últimos anos, aos funcionalista-evolucionistas antigos de que não realizaram com o devido cuidado a parte funcional de seu trabalho. [...] o ‘renascimento’ do evolucionismo e marcado por uma íntima aderência ao formato do século XIX. [...] O desenvolvimento é mencionado como um processo uniforme, e as sociedades que tiveram uma experiência diferente são descritas como subdesenvolvidas.” (p. 109-110)
            “O aparecimento dessa moderna ideia de progresso ou evolução do funcionalismo não podia encerrar uma promessa de reforma da teoria dos processos sociais e culturais. Em sua preocupação com o problema da ordem social, os funcionalistas-estruturais chamaram atenção para as realidades históricas da persistência ou estabilidade nas sociedades humanas e tentaram explicá-las. Isso representa um afastamento claro da habitual explicação evolucionista da estagnação, em termos do acidental ou anormal. [...] isso parece pressionar no sentido de uma explicação da mudança, em lugar da afirmação tradicional de que ela é natural e onipresente. [...] o que é característico das sociedades e culturas não pode explicar a incidência errática das mudanças conseqüentes dos tipos de acontecimentos. Evitar o uniformismo da ideia de progresso é uma pré-condição para uma explicação da mudança e da diferença.” (p. 110)

Referência Bibliográfica:
BOCK, Kenneth. Teorias do Progresso, Desenvolvimento e Evolução. In BOTTOMORE, Tom; NISBET, Robert (orgs). História da Análise Sociológica. Zahar Editores, Rio de Janeiro, 1980.
















[1]A história intelectual da Humanidade insere-se numa genealogia vasta proveniente das contendas entre aqueles que defendem a excelência dos tempos antigos e aqueles que argumentam a superioridade do tempo presente.” Disponível em < https://cultura.revues.org/1124>.  Acesso em agosto de 2015.